sexta-feira, março 09, 2012

Observação: Tirar os três

A 20 de Fevereiro último, a TVI «celebrou» o seu 19º aniversário através da introdução nos seus suportes comunicativos do «acordo ortográfico». Tornou-se assim a terceira e última estação de televisão portuguesa a fazê-lo; antes fora a SIC, a 1 de Janeiro, quando iniciou a celebração do seu 20º aniversário, e a RTP, um ano antes. Aparentemente, tirar os «c’s» e os «p’s» é motivo de festa para alguns. Pode-se pois também tirar os três – está bem, quatro, com a RTP2 – canais de televisão principais nacionais da lista de órgãos da comunicação social (e, de um modo geral, das entidades ligadas às artes e à cultura) que mantêm a sua integridade – ortográfica, e não só.
Aliás, neste início de ano de 2012 está a assistir-se a um recrudescimento das capitulações ao, e dos colaboracionismos com, o AO90 entre os media: também A Bola e o Diário de Notícias desistiram de resistir à ofensiva dos «pornortografistas»; antes, ainda em 2011, a revista Ler – obviamente sob influência de Francisco José Viegas – começou a usar o «aborto ortográfico»… na mesma edição em que publicou o (notável) artigo de Fernando Venâncio «Visita guiada ao reino da falácia»! Porém, irónica e insolitamente, o aumento das «baixas» tem coincidido com a multiplicação de artigos e de outras intervenções que denunciam e que demonstram, sem quaisquer dúvidas, como o dito cujo é ilegal e inútil, para além de prejudicial. Será de perguntar, de preferência no final do ano, aos escribas da Travessa da Queimada (vão-se «queimar»…) e da Avenida da Liberdade (perderam-na…) se ganharam muito com a «conversão», mais concretamente em vendas, receitas e tiragens. Até lá, poderão perguntar aos seus colegas da Impresa, com mais tempo de experiência na matéria, se, por exemplo, Blitz, Caras, Expresso, Jornal de Letras e Visão estão melhor agora do que antes de decidirem «poupar nas letras».
No grupo fundado e liderado por Francisco Pinto Balsemão são, aliás, notórios alguns casos recentes de «problemas» com palavras. Já não bastava o Expresso ter colocado numa edição do início de 2011, como título de primeira página, «O FMI já não vem»… Na SIC, e para começar, não acharam melhor designação para o canal de cabo temático infantil do que «K»… o que daria SICK (isto é, em inglês, «doente», «perverso», «tarado») – ideal quando o alvo são as crianças, não é verdade? – mas que foi «invertido» para KSIC; é claro que «K» significa «kids», mas deve-se perguntar se a audiência do canal é maioritariamente constituída por menores anglófonos… A seguir, «traduziram» «The Biggest Looser» como «Peso Pesado», desse modo conseguindo a «proeza» de não só exprimir o significado oposto mas também de anular a ironia inerente ao título original do programa! Enfim, é de referir o programa «Gosto Disto!» que, na sua rubrica «Portugal Caricato», revela e ridiculariza exemplos de má utilização de língua portuguesa… que, afinal, estão ao mesmo (baixo) nível da «ortografia (des)acordada» que a estação de Carnaxide passou a utilizar. Enfim, não haveria outra designação para um prémio sem ser «Globo de Ouro», igual à de outro que há muitos mais anos é atribuído nos EUA?
Justifica-se perguntar se, afinal, existem não uma mas sim três estações públicas, estatais, de televisão: tanto os responsáveis máximos da SIC como os da TVI insurgiram-se contra a privatização da RTP e contra a concessão de outra licença a privados, desta forma defendendo, de facto, a adulteração do mercado audiovisual pela restrição do acesso e da concorrência de outros operadores. Além de que, vendo e comparando as «grelhas» das três, não encontramos assim tantas diferenças. Com maior ou menor intensidade, regista-se em todas uma preponderância de talk-shows (popularuchos), telenovelas e concursos; e cada uma tem o seu próprio canal de informação 24/7 no cabo. No entanto, mais programas não significam, necessariamente, melhor programação. 
Da RTP já se conhece, e de que maneira, o que se enquadra no seu «padrão de qualidade»: acordo ortográfico; aquecimento global; «barackobamismo»; Centenário da República; entrevista em directo a Mahmoud Ahmadinejad a partir de Teerão com Márcia Rodrigues de hijab (para a qual se «treinara» antes, em Lisboa, com o embaixador do Irão); futebol e tourada; e, com regularidade, uma ou outra «colherada» a favor de «causas fracturantes» que envolvam a liberalização da IVG e formas «alternativas» de «casamento» e de «ado(p)ção». Em tudo isto é imitada na substância, embora com diferenças no estilo (as duas têm, ou tiveram, programas de «espiritismo»), por SIC e TVI – esta, aliás, é agora comandada por «dissidentes» da RTP. As três também se assemelham na reiterada discriminação, no contínuo silenciamento, quando não a ridicularização (por certos comentadores e «humoristas»), de vozes realmente conservadoras – que as também há em Portugal, por incrível que isso possa parecer.
Não é o dinheiro o principal factor a orientar a acção das três estações de televisão; se fosse, optariam consistentemente na informação pela controvérsia e não pelo conformismo. Onde está a cobertura constante das escutas telefónicas feitas a Jorge Nuno Pinto da Costa e a José Sócrates Pinto de Sousa, exemplos e expoentes máximos, personificações e símbolos definitivos das perversões intrínsecas e das promessas falhadas da Terceira República? Onde estão (mais) reportagens sobre a aplicação (imposição) do AO90, e entrevistas a Vasco Graça Moura depois de ele ter eliminado o dito cujo no Centro Cultural de Belém? Será que uma conversa com o jurista, escritor e co-criador da Expo 98 não suscitaria interesse junto das audiências e dos anunciantes?
Os portugueses têm muitos motivos para desconfiar de vários dos órgãos de comunicação social nacionais e de bastantes «profissionais» que neles militam. E não apenas por causa do «aborto ortográfico». (Também no Esquinas (115) e no MILhafre (52).)

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