quinta-feira, março 22, 2012

Observação: Perder «fregueses»

Para minha grande vergonha, resido numa freguesia, e num concelho, em que o Partido Socialista, ainda liderado por José Sócrates, teve – tanto naquela como naquele – mais votos do que os outros concorrentes nas eleições legislativas de 2011… e há que recordar que não foram assim tantos como isso os municípios em que o PS venceu no ano passado. O mesmo é dizer que um número considerável dos meus conterrâneos deu o seu apoio ao «engenheiro domingueiro» apesar de então já não subsistirem quaisquer dúvidas sobre o que ele era (e é) e o que (de mal) tinha feito. É o que costuma acontecer em zonas onde a esquerda tem uma grande «tradição» e implantação: desde que se cante «A Internacional», se grite de punho erguido e se use um cravo na lapela pode-se ser um estúpido estupor à vontade, porque haverá sempre quem ponha à frente dele (em vez de… em cima) uma cruz.
Logicamente, e como é fácil de deduzir, também na freguesia e no concelho em que resido o PS é a principal força autárquica, detendo ambas as presidências. Pelo que não fiquei surpreendido quando, recentemente, encontrei na minha caixa de correio um pequeno panfleto anunciando (para 17 de Março último, às 15 horas) a realização de uma «Sessão Extraordinária da Assembleia de Freguesia, seguida de uma sessão de esclarecimento» para discutir a «Proposta de Lei 44/XII (do actual governo) sobre a Reorganização Administrativa Territorial Autárquica cujo objetivo é extinguir um terço das Freguesias do país.» Alegadamente, «a freguesia do (…) corre o risco de ser extinta por decreto, algo que nunca poderemos aceitar. (…) A nossa história, os nossos valores, os nossos direitos e acima de tudo a nossa identidade estão em causa, pelo que apelamos à participação de toda a população. Contra a extinção da nossa Freguesia e pela manutenção do poder local democrático.»
Faltei à «chamada» porque estava ocupado a fazer a digestão… ou a dar banho ao cão (já não me lembro). Agora a sério: é evidente que a eventual extinção da minha freguesia, apesar de desagradável, não significaria necessariamente que ficassem em causa a sua «história», «valores», «direitos» e «identidade»; significaria, quando muito, que uma mesma entidade autárquica passaria a gerir mais do que uma localidade; a minha não «desapareceria do mapa» nem deixaria de ser uma vila. O que está verdadeiramente em causa é que certas pessoas perderiam os seus cargos, os seus «tachos» - por outras palavras, elas sim é que deixariam de receber «valores» e de ter determinados «direitos», e passariam à «história» porque a sua «identidade» quase sempre não vai além da filiação político-partidária. Perder «fregueses» é um «problema» que, deve-se concordar, não é muito importante em comparação com uma dívida, acumulada pelas câmaras municipais deste país, de cerca de 12 mil milhões de euros!
Enfim, é igualmente interessante constatar como há diferentes prioridades quando se trata de promover protestos: contesta-se a (hipotética) «extinção de uma freguesia por decreto» mas não se contesta a (não hipotética) «extinção de uma ortografia por resolução». Obviamente, numa freguesia e num concelho em que o PS manda, a trampa do AO90 já foi «adotada». E foi com um divertido espanto que, ainda mais recentemente, li outro pequeno panfleto anunciando a realização, na minha freguesia supostamente à beira da «extinção», de um «espetáculo» que serviria para lançar «um alerta para as diferenças e importância da Língua Gestual Portuguesa»! Sim, quando sinto que estão a gozar comigo, a minha vontade é fazer… um gesto bem português. (Também no Esquinas (117) e no MILhafre (53).)          

quinta-feira, março 15, 2012

Ordem: Príncipe… perfeito

Normalmente, estou constantemente a ouvir música. E, nas últimas semanas, tenho estado principalmente a ouvir (novamente) discos do… Artista de quem mais álbuns tenho, que mais vezes ouvi na minha vida, que tem três nos meus «20 mais», um dos quais, aliás, (cujo tema principal é «chuva púrpura») constitui o meu disco preferido. Sim, esse mesmo: Prince.
Essas audições fazem-se, como (quase) sempre, segundo o método, e projecto, que criei há mais de 20 anos e que designo de «Códigos» - sequências diferentes, personalizadas, das canções de cada CD, delineadas segundo o objectivo de «procurar o livro (a história) que há em cada disco». E é um método que tenho tentado, com pouco ou nenhum sucesso, divulgar há mais de 15 anos, junto de editoras, órgãos de comunicação social, lojas de (ou com) música, e até da Associação Fonográfica Portuguesa, como possível meio de incentivar a aquisição de CD’s. Provavelmente, se e quando mais alguém, em especial estrangeiro, tiver a mesma ideia, talvez então lhe dêem importância…
Porém, três dos discos de Prince que voltei a escutar foram-no de uma forma – sim, ainda é possível – inteiramente nova: nas suas (potenciais) versões integrais, isto é, incluindo faixas extra que saíram, aquando das edições originais, apenas em lados B de singles (ou nem isso). Porque tarda a fazer-se um relançamento da obra do «Mago de Minneapolis», em que se proceda à remasterização/remistura e à adição de mais canções, decidi fazer (mais ou menos) essa operação num estilo, digamos, algo «caseiro». A seguir estão, pois, três das minhas sequências para outros tantos álbuns do Sr. Rogers Nelson, acrescidas de faixas extra (indicadas a itálico) tiradas da compilação «The Hits/The B-Sides».       
«1999»: «1999»; «Dance Music Sex Romance»; «Horny Toad»; «Delirious»; «International Lover»; «Automatic»; «Little Red Corvette»; «Irresistible Bitch»; «Something in the Water (Does Not Compute)»; «How Come U Don’t Call Me Anymore»; «Let’s Pretend We’re Married»; «Lady Cab Driver»; «All The Critics Love U in New York»; «Free».
«Purple Rain»: «God»; «Let’s Go Crazy»; «Baby I’m a Star»; «Take Me with U»; «Erotic City»; «Computer Blue»; «Darling Nikki»; «17 Days»; «The Beautiful Ones»; «When Doves Cry»; «Another Lonely Christmas»; «I Would Die 4 U»; «Purple Rain».
«Around The World In a Day»: «Around The World In a Day»; «America»; «Hello»; «Paisley Park»; «Condition of the Heart»; «Pop Life»; «She’s Always in my Hair»; «Raspberry Beret»; «Girl»; «Temptation»; «Tamborine»; «4 The Tears in Your Eyes»; «The Ladder».         
Há outro disco de Prince que eu também sei como «reconstruir e expandir»: «Sign O’ The Times». No entanto, estou impedido tecnologicamente (por enquanto…) de concretizar o («super») «código» para aquela obra, porque, enquanto para completar «1999», «PR» e «ATWIAD» são necessários apenas dois discos, para «SOTT» são precisos (pelo menos) oito! (Também no Esquinas (116).)  

sexta-feira, março 09, 2012

Observação: Tirar os três

A 20 de Fevereiro último, a TVI «celebrou» o seu 19º aniversário através da introdução nos seus suportes comunicativos do «acordo ortográfico». Tornou-se assim a terceira e última estação de televisão portuguesa a fazê-lo; antes fora a SIC, a 1 de Janeiro, quando iniciou a celebração do seu 20º aniversário, e a RTP, um ano antes. Aparentemente, tirar os «c’s» e os «p’s» é motivo de festa para alguns. Pode-se pois também tirar os três – está bem, quatro, com a RTP2 – canais de televisão principais nacionais da lista de órgãos da comunicação social (e, de um modo geral, das entidades ligadas às artes e à cultura) que mantêm a sua integridade – ortográfica, e não só.
Aliás, neste início de ano de 2012 está a assistir-se a um recrudescimento das capitulações ao, e dos colaboracionismos com, o AO90 entre os media: também A Bola e o Diário de Notícias desistiram de resistir à ofensiva dos «pornortografistas»; antes, ainda em 2011, a revista Ler – obviamente sob influência de Francisco José Viegas – começou a usar o «aborto ortográfico»… na mesma edição em que publicou o (notável) artigo de Fernando Venâncio «Visita guiada ao reino da falácia»! Porém, irónica e insolitamente, o aumento das «baixas» tem coincidido com a multiplicação de artigos e de outras intervenções que denunciam e que demonstram, sem quaisquer dúvidas, como o dito cujo é ilegal e inútil, para além de prejudicial. Será de perguntar, de preferência no final do ano, aos escribas da Travessa da Queimada (vão-se «queimar»…) e da Avenida da Liberdade (perderam-na…) se ganharam muito com a «conversão», mais concretamente em vendas, receitas e tiragens. Até lá, poderão perguntar aos seus colegas da Impresa, com mais tempo de experiência na matéria, se, por exemplo, Blitz, Caras, Expresso, Jornal de Letras e Visão estão melhor agora do que antes de decidirem «poupar nas letras».
No grupo fundado e liderado por Francisco Pinto Balsemão são, aliás, notórios alguns casos recentes de «problemas» com palavras. Já não bastava o Expresso ter colocado numa edição do início de 2011, como título de primeira página, «O FMI já não vem»… Na SIC, e para começar, não acharam melhor designação para o canal de cabo temático infantil do que «K»… o que daria SICK (isto é, em inglês, «doente», «perverso», «tarado») – ideal quando o alvo são as crianças, não é verdade? – mas que foi «invertido» para KSIC; é claro que «K» significa «kids», mas deve-se perguntar se a audiência do canal é maioritariamente constituída por menores anglófonos… A seguir, «traduziram» «The Biggest Looser» como «Peso Pesado», desse modo conseguindo a «proeza» de não só exprimir o significado oposto mas também de anular a ironia inerente ao título original do programa! Enfim, é de referir o programa «Gosto Disto!» que, na sua rubrica «Portugal Caricato», revela e ridiculariza exemplos de má utilização de língua portuguesa… que, afinal, estão ao mesmo (baixo) nível da «ortografia (des)acordada» que a estação de Carnaxide passou a utilizar. Enfim, não haveria outra designação para um prémio sem ser «Globo de Ouro», igual à de outro que há muitos mais anos é atribuído nos EUA?
Justifica-se perguntar se, afinal, existem não uma mas sim três estações públicas, estatais, de televisão: tanto os responsáveis máximos da SIC como os da TVI insurgiram-se contra a privatização da RTP e contra a concessão de outra licença a privados, desta forma defendendo, de facto, a adulteração do mercado audiovisual pela restrição do acesso e da concorrência de outros operadores. Além de que, vendo e comparando as «grelhas» das três, não encontramos assim tantas diferenças. Com maior ou menor intensidade, regista-se em todas uma preponderância de talk-shows (popularuchos), telenovelas e concursos; e cada uma tem o seu próprio canal de informação 24/7 no cabo. No entanto, mais programas não significam, necessariamente, melhor programação. 
Da RTP já se conhece, e de que maneira, o que se enquadra no seu «padrão de qualidade»: acordo ortográfico; aquecimento global; «barackobamismo»; Centenário da República; entrevista em directo a Mahmoud Ahmadinejad a partir de Teerão com Márcia Rodrigues de hijab (para a qual se «treinara» antes, em Lisboa, com o embaixador do Irão); futebol e tourada; e, com regularidade, uma ou outra «colherada» a favor de «causas fracturantes» que envolvam a liberalização da IVG e formas «alternativas» de «casamento» e de «ado(p)ção». Em tudo isto é imitada na substância, embora com diferenças no estilo (as duas têm, ou tiveram, programas de «espiritismo»), por SIC e TVI – esta, aliás, é agora comandada por «dissidentes» da RTP. As três também se assemelham na reiterada discriminação, no contínuo silenciamento, quando não a ridicularização (por certos comentadores e «humoristas»), de vozes realmente conservadoras – que as também há em Portugal, por incrível que isso possa parecer.
Não é o dinheiro o principal factor a orientar a acção das três estações de televisão; se fosse, optariam consistentemente na informação pela controvérsia e não pelo conformismo. Onde está a cobertura constante das escutas telefónicas feitas a Jorge Nuno Pinto da Costa e a José Sócrates Pinto de Sousa, exemplos e expoentes máximos, personificações e símbolos definitivos das perversões intrínsecas e das promessas falhadas da Terceira República? Onde estão (mais) reportagens sobre a aplicação (imposição) do AO90, e entrevistas a Vasco Graça Moura depois de ele ter eliminado o dito cujo no Centro Cultural de Belém? Será que uma conversa com o jurista, escritor e co-criador da Expo 98 não suscitaria interesse junto das audiências e dos anunciantes?
Os portugueses têm muitos motivos para desconfiar de vários dos órgãos de comunicação social nacionais e de bastantes «profissionais» que neles militam. E não apenas por causa do «aborto ortográfico». (Também no Esquinas (115) e no MILhafre (52).)

sexta-feira, março 02, 2012

Outros: «Espíritos…» revistos em inglês

The Beckford Journal, revista da Beckford Society, inclui na sua mais recente edição (Volume 17, 2011), da qual recebi ontem um exemplar, uma recensão ao meu livro «Espíritos das Luzes», escrita por Sir Malcolm Jack, chairman daquela sociedade desde a sua fundação (1994). Transcrevo a seguir alguns excertos, por mim traduzidos:
«O livro “Espíritos das Luzes” de Octávio dos Santos insere-se na longa tradição da ficcionalização e mitificação portuguesa de William Beckford. (…) Octávio dos Santos surge-nos como um polímato, que traduziu Tennyson e tem contribuído largamente para o debate intelectual em Portugal enquanto jornalista, ensaísta e comentador. Num livro em que ficção e facto são misturados para produzir uma “fantasia”, o autor recorreu a(o conceito de) universos paralelos que podem colidir mesmo que separados temporariamente. A sua técnica para fazer com que tais colisões aconteçam é a da colagem de uma série de diálogos entre as principais figuras públicas da época logo após o grande terramoto de Lisboa de 1755. (…) Dos Santos destaca e dá uma atenção especial, no centro deste vórtice social e intelectual, ao relacionamento entre Bocage e o abastado visitante inglês William Beckford. (…) O problema mundano, histórico, que Dos Santos evita é (saber) se Beckford realmente conheceu Bocage. (…) Dos Santos não se desconcertou perante esta dificuldade trivial sobre factos, porque no seu mundo de universos paralelos tal detalhe não é, em si próprio, conclusivo. Assim, ele faz com que aquelas duas figuras ligeiramente devassas “colidam” como os melhores dos amigos íntimos, e que rolam através das ruas da cidade na carruagem de Beckford para irem ver Pombal no Palácio dos Carvalhos. (…) Existem no livro cenas muito mais ousadas, e o relacionamento de Beckford e de Bocage desenrola-se num cenário heterodoxo e mesmo sexualmente perverso. Apesar de estas reconstruções não serem baseadas em qualquer prova documental, elas oferecem uma perspectiva deveras arguta do que poderia ter sido o próprio mundo de fantasia de Beckford. A figura sinistra de Pina Manique nunca sai de cena, mas existem muitos outros personagens contemporâneos que fazem a sua aparição. (…) Bravio, fantasista, divertido: penso que para desfrutar deste livro deve-se acompanhar voluntariamente Dos Santos numa jornada até um mundo multi-dimensional e imaginativo, em que observações interessantes e argutas se relacionam, mesmo que tenuemente, com o mundo muito mais banal da realidade histórica.» (Divulgação também no blog Simetria e no 1001 Mundos.)