domingo, dezembro 25, 2005

Obras: "Cristo renasceu na Roménia"

Cristo renasceu na Roménia
e os novos anjos espalharam rapidamente a notícia sensação.
Aconteceu nas ruas, que o parto inundou de sangue e de lágrimas,
porque nas casas já não havia lugar para o silêncio e para a resignação.

Cristo renasceu na Roménia
e o velho tirano, receoso, mandou matar as crianças, inocentes reféns.
Os que têm paz no ódio declararam guerra ao amor
mas não venceram mesmo depois de abaterem os pais e as mães.

Cristo renasceu na Roménia
e os reis do Mundo acorreram a oferecer riquezas.
Foram guiados pela estrela de fogo que brilhava da terra até ao céu,
e recebidos pelos cadáveres dos pastores que se cansaram de tristezas.


Poema (Nº 208) escrito em 1989 e incluído no meu livro «Museu da História».

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Obras: "Guitarra"

Pega na minha guitarra
e vamos guitarrar.
Dedilha suavemente as minhas cordas;
toca uma música de embalar.

A noite ainda é uma criança que quer brincar,
maravilhada com sons festivos e perfumes inebriantes.
No reino da boémia o meu reinado acaba de principiar;
sou dono e senhor até os arautos da madrugada se revelarem triunfantes.

Canto o fado entre gritos apaixonados
de amantes capazes de matar por ciúmes.
Uma cigana lê-me a sina e prevê momentos sublimados
enquanto fogosas dançarinas me abordam com lânguidos queixumes.

Sinto a inspiração a embriagar-me;
pelo prazer e pela arte vale a pena viver a vida.
Uma rodada de êxtase para todos, pago eu!
Dêem de beber ao amor, e a dor não será sentida.

Agarra na minha guitarra
e vamos guitarrar!
Dedilha violentamente as minhas cordas;
toca uma música de arrebatar!


Hoje, 21 de Dezembro de 2005, passam 200 anos sobre a morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage.

Poema (Nº 156) escrito em 1986 e incluído no meu livro «Alma Portuguesa».

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Organização: MAR é minha marca

Hoje, 2 de Dezembro de 2005, desloquei-me ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em Lisboa, onde procedi – concluindo um processo que se iniciou em 21 de Novembro de 2003 - ao registo nacional definitivo, em meu nome, da marca MAR, que é também o título da revista que constitui, há mais de três anos, o meu principal projecto profissional.
A ideia surgiu-me há quase dez anos. A 5 de Fevereiro de 1996 apresentei no Palácio Foz, na então Direcção Geral de Espectáculos, actualmente Inspecção Geral das Actividades Culturais, um requerimento de registo em meu favor do direito de autor sobre um «projecto de uma revista mensal, de edição nacional e (também) com distribuição internacional, sobre os factos e as figuras das culturas dos povos lusófonos.»
Em 1998 uma primeira versão da MAR esteve perto de se tornar realidade. Na editora onde eu então trabalhava um grupo de trabalho chegou a ser formado, um primeiro estudo gráfico chegou a ser realizado... mas não se foi além disso. Só em 2002 o projecto viria a registar não só um novo dinamismo mas também uma nova direcção. E a causa da mudança foi... o Campeonato do Mundo de Futebol desse ano, que decorreu no Japão e na Coreia do Sul. Para ser mais preciso, foi a prestação vergonhosa da selecção nacional nesse campeonato, que, à semelhança de anteriores «humilhações futebolísticas», mergulhou o país num exagerado mas inegável estado de frustração colectiva. Como se o destino de uma nação se jogasse única e exclusivamente na forma como onze marmanjos chutam uma bola. O sentimento generalizado de desilusão, de desânimo, de decepção, ficou bem ilustrado numa caricatura de António Maia publicada no jornal O Ribatejo de 4 de Julho desse ano: nela viam-se dois homens que levantavam uma faixa onde se lia «Queremos ser campeões de qualquer coisa!!» Quando a vi pensei: «Mas... nós somos, ou fomos, campeões de muita coisa!!» E então na minha mente fez-se «luz»!
Assim, o nome mantém-se, as secções então pensadas estão praticamente todas, o «espírito» é o mesmo, os destinatários não mudaram. O que mudou sim foi o âmbito, que se alargou, e a abordagem, que se especializou.
A MAR tem como lema «Sucesso que fala português» (registado em 21 de Janeiro de 2004 na IGAC), e é esse também o seu objectivo: procurar os nossos vencedores - individualidades e instituições - em todos os sectores; dar a conhecer (melhor) todos os falantes da nossa língua – sejam eles portugueses, brasileiros, africanos, timorenses, luso-descendentes - que alcança(ra)m o «pódio» - ou quase – em qualquer área de actividade (política, economia, ciência, cultura, desporto...), que ganharam fama e/ou proveito não só no presente, como também no passado.... mas sempre numa perspectiva internacional: agora, o critério básico, determinante, é a (vitória em) competição com estrangeiros e/ou o reconhecimento (distinção) por estrangeiros – isto é, não falantes de português.
Houve quem me dissesse que este seria um mau momento para se lançar uma nova publicação. Muito pelo contrário: esta é a melhor altura para se lançar um novo tipo de revista, de um género que nunca até hoje havia existido no nosso país... precisamente porque faz (fazia) falta algo para contrariar o negativismo que nos rodeia. Que, é certo, não é só recente, mas que se agravou, e muito, nos últimos dois, três anos. Devido, sim, ao Campeonato do Mundo de Futebol, mas também à multiplicação dos estudos, das sondagens, das comparações, dos relatos e das opiniões que apontam invariavelmente na mesma direcção, que retiram a mesma conclusão: somos dos piores da Europa, quando não do Mundo, em diversos indicadores de desenvolvimento, na saúde, na educação, na (reduzidas produtividade e competitividade da) economia, na segurança (ou seja, na criminalidade...) As situações escandalosas, os exemplos de fracasso, os casos de insucesso, os últimos lugares nas tabelas estatísticas sucedem-se. A nossa auto-estima está muito por baixo. A desmotivação, a depressão, são dominantes.
Nem tudo é sempre uma «apagada e vil tristeza»; é preciso igualmente pensar, dizer e agir pela positiva. Recusamos a «ditadura da negatividade»... e também recusamos a «ditadura da actualidade». À MAR não interessa, dentro do seu âmbito, apenas o que aconteceu no dia, na semana ou no mês anterior. Se for relevante para o seu objectivo, também nos interessa o que aconteceu há um, dez, cinquenta, cem anos atrás. Ou mais! Há histórias que devem ser reveladas; há outras que merecem ser recordadas. E os casos de sucesso «em português», de hoje e de ontem, são muitos e não são difíceis de encontrar; eles estão espalhados um pouco por todo o lado; encontramos com frequência referências a compatriotas, ou a irmãos no idioma, que se tornaram, em várias áreas, o «número um»... ou ficaram muito perto disso. Era pois necessária uma revista que reunisse, que centralizasse, aprofundasse, e, logo, que valorizasse, todos esses casos, todas essas referências.
A MAR surge também como um meio, um contributo, para tentar estabelecer um equilíbrio no panorama da informação no - e sobre o - espaço dos países e dos povos de língua portuguesa; é um projecto plural. A MAR quer estar onde estiver um falante (ou leitor) de português, constituindo assim um factor de identificação, um elo de ligação, entre uma comunidade mundial que partilha uma língua e uma cultura. São muitas as possibilidades; a questão está em saber se queremos – porque de certeza que podemos – torná-las realidades. Para a MAR, a frase «a minha pátria é a língua portuguesa» não é uma figura de retórica: é um ideal que é real, em que acredita(re)mos e que vive(re)mos todos os dias.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Opinião: O real eixo atlântico

É cada vez mais evidente aquilo em que Portugal se tornou: um país destruído - por incêndios (grande parte, talvez a maior, de origem criminosa) mas não só - e deprimido, desequilibrado, ridicularizado no estrangeiro por acontecimentos típicos do Terceiro Mundo – sejam prostitutas em Bragança, «arrastões» na praia de Carcavelos e nos comboios da linha de Sintra, ou a IP5 como a «segunda estrada mais perigosa do Mundo». Na república portuguesa o crime compensa; reinam o desinteresse e a incompetência, a permissividade e a impunidade. O Estado não mostra ter autoridade, e não inspira segurança e confiança aos cidadãos.
Porém, por incrível que isso possa parecer, existe um país, muito distante mas ao mesmo tempo muito próximo de nós, cuja situação é ainda pior: o Brasil. O escândalo que ficou conhecido como «Mensalão» - em que grandes empresas portuguesas poderão estar envolvidas! - veio provar definitivamente, em especial aos mais ingénuos, que na república federativa do Brasil nenhum sector da política, da «esquerda» à «direita», se aproveita; lá, onde as assimetrias sociais são inacreditáveis, a corrupção não é um mal - é um modo de vida; e que, além dos futebolistas, o grupo de profissionais com as carreiras mais promissoras são os criminosos – sejam eles os dos palácios de Brasília ou os das favelas do Rio de Janeiro. E, entretanto, a Amazónia continua a arder...
Nos dois países irmãos os problemas são semelhantes, apesar de as suas dimensões serem diferentes. E a - melhor - solução é a mesma: a restauração da Monarquia.
Já existem, felizmente, muitas ligações entre Portugal e o Brasil. Construamos, reforcemos, mais uma: um real eixo atlântico. Que, unindo os monárquicos dos dois países – e as famílias dos pretendentes aos tronos, aliás já há muito unidas por laços de sangue, de parentesco – numa causa comum, contribua para restituir, o mais rápida e firmemente possível, a honra e o amor-próprio a ambas os povos, eliminando ao mesmo tempo os «bandidos» que, nas duas margens do mar, se apoderaram do «ouro» - literal e figurado.
No Brasil a grande ladroagem começou em 1889: foi neste ano que a república foi instaurada... depois de a Monarquia ter abolido definitivamente (em 1888...) a escravatura. Ou seja, 21 anos antes de os assassinos terem tomado o poder em Portugal. Numa e noutra nação já é tempo demais de baixaria; numa e noutra nação já é chegado o tempo de as vozes da coragem, da probidade e da tradição se erguerem e proclamarem bem alto que o regime tem de mudar... e passarem das palavras aos actos.
E esses actos implicam... pegar em armas. Retribuir, pagar bem caro, e na mesma moeda, a afronta feita em 5 de Outubro de 1910. Não tenhamos mais ilusões: pelo menos em Portugal a restauração da Monarquia só se fará pela força. Nunca os «republicanos» de meia-tigela deste país permitirão que se faça sequer um referendo sobre o assunto... e isso comprovou-se novamente neste ano de 2005, quando, durante o processo – mais um! – de revisão constitucional, se introduziu um novo artigo (o 295º) que permite a realização de referendo(s) sobre tratado(s) europeu(s) mas não se introduziu outro que permitisse a realização de um referendo sobre o regime! Aliás, nem o famigerado artigo 288º - o de qualquer revisão ter de respeitar a «forma republicana de governo» - foi alterado.
E com que armas se pode derrubar a república? Com as das forças policiais e militares nacionais, que estão entre os segmentos sócio-profissionais mais descontentes com a actual situação de Portugal, e, em particular, com os ataques de que estão a ser alvo por parte do actual governo. Na verdade, esse descontentamento é geral... e praticamente total: os portugueses – nota-se nas ruas e nas mensagens que, de uma forma ou de outra, chegam aos meios de comunicação – atingiram o ponto de saturação; fartos dos políticos, dos quais dizem serem «todos o mesmo», querem, exigem, uma mudança completa; entre outras propostas mais ou menos radicais, alguns até propõem na brincadeira – ou será que é a sério?! – que sejamos anexados pela Espanha... Como se não houvesse outra alternativa. Mas há. E décadas de desinformação, de propaganda, de deturpação da História, não foram suficientes para a apagar, para a destruir.
A democracia é, sem qualquer dúvida, e quase sempre, a melhor forma de governar uma sociedade. Todavia, ela não passará de um embuste, de uma fraude, se não estiver assente sobre bases sólidas e visíveis; se, à partida, os dados estiverem viciados, se as cartas estiverem marcadas. É o que se passa tanto em Portugal como no Brasil: não foram removidos todos os elementos, agrupamentos e comportamentos nocivos que, directa ou indirectamente, corroem, minam, as legítimas estruturas e os processos normais dos dois países, e impedem um verdadeiro desenvolvimento em todos os aspectos. Ambos precisam de um período de excepção; de uma breve, embora implacável, ditadura. Para pôr as «casas» em ordem; para as «limpar». E para depois se poder, realmente, recomeçar.

Hoje, 1 de Dezembro de 2005, passam 365 (300+50+10+5) anos sobre a Restauração da Independência de Portugal.

domingo, novembro 27, 2005

Obrigado: Aos que compareceram hoje

Exprimo aqui o meu agradecimento – depois de já o ter feito pessoalmente e no local – ao meu irmão Pedro dos Santos, e aos meus amigos Sérgio Sousa Rodrigues, Céu Dias e Emanuel Rosa, por terem comparecido hoje à cerimónia de apresentação da minha obra «Visões», em formato áudio-livro, na loja FNAC do Centro Comercial Colombo, em Lisboa.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Oráculo: «Visões» é relançado em Lisboa e no Porto

A minha obra «Visões», agora em formato de áudio-livro (disco) editado pela Solutions by Heart, vai ser apresentada: no próximo dia 27 de Novembro, às 12.30 horas, na loja FNAC do Centro Comercial Colombo, em Lisboa; e no próximo dia 4 de Dezembro, às 17 horas, na loja FNAC de Santa Catarina, no Porto.
Tal como anunciei no passado dia 7 de Julho, o trabalho que constituiu, em Novembro de 2003, a minha estreia literária... em papel, veio a tornar-se, posteriormente e devidamente adaptado (este primeiro volume inclui apenas cinco dos 25 contos presentes na edição original – “Mãe”, “Jovem executivo de sucesso”, “Aniversário”, “Caminhos de ferro” e “A fronteira”), num dos primeiros produtos de uma nova empresa – juntamente com «O Islão Segundo um Ocidental», do meu amigo Sérgio Sousa Rodrigues (S. Franclim), e de «Contos» de Hans Christian Andersen (este em dois volumes).
Estas obras vão estar disponíveis, numa primeira fase, e a partir de dia 14: nas lojas FNAC; e nos postos da GALP do Aeroporto de Lisboa, Águas Santas (perto do Porto), Alcácer do Sal, Aveiras e Oeiras.
Para mais informações, aconselho o acesso, em primeiro lugar, ao sítio da SbH. Depois, à página do «Visões» no sítio da SbH. A seguir, à página do «Visões» no sítio da FNAC. E a Simetria faz também referência a este relançamento.

sábado, novembro 05, 2005

Opinião: A fábrica foi um sonho

Ao lado do bairro onde resido existiu, até 2002, uma das mais importantes – porque das mais antigas e das que mais pessoas empregou - empresas do concelho: a Pentealã, ou Empresa Nacional de Penteação de Lãs de Alhandra, ou, como era mais conhecida, a Fábrica da Figueira.
Com o passar do tempo vieram as dificuldades financeiras e a falência. O espaço foi vendido e todos os edifícios derrubados, juntamente com algumas árvores centenárias e uma alta chaminé onde cegonhas faziam ninhos. Objectivo dos novos proprietários: a construção de... armazéns com escritórios.
Porém, nesta vasta área não existem (no momento em que escrevo) armazéns com escritórios mas sim muito entulho e muita vegetação; tanta que receei consequências graves quando detectei, num dia do último Verão, um foco de incêndio do qual logo avisei os bombeiros. É de supor que burocracias e a crise económica – afinal, este é um segmento de mercado onde, também neste concelho, a oferta é elevada - têm atrasado o início das obras.
A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira não deveria ter autorizado a destruição da fábrica. Ela era um património importante que merecia ser preservado e reconvertido. Durante as férias visitei a Fábrica do Inglês, em Silves, lembrei-me da Fábrica da Pólvora, em Oeiras, e imaginei o que a Fábrica da Figueira podia ter sido: um local para a cultura, o trabalho e o lazer; um legado modernizado.
Uma futilidade, claro: nesta terra nem os sonhos feitos de tijolos têm, por isso, mais hipóteses de se tornarem realidade.

Artigo publicado no jornal Notícias de Alverca, Nº 213, 2005/10.

terça-feira, novembro 01, 2005

Object(iv)o: Ópera do Tejo revisitada

Em 2004, e certamente sob a influência da experiência que adquirira enquanto jornalista especializado em factos e figuras ligadas às tecnologias de informação e comunicação, estabeleci os primeiros contactos com vista à constituição de um grupo de trabalho, de uma equipa multidisciplinar, que, utilizando, se possível, os mais avançados sistemas e ferramentas de computação gráfica, procedesse, mais do que à reconstituição virtual (modelação e animação de exteriores e interiores), quase a uma autêntica «ressurreição» de um edifício desaparecido a 1 de Novembro de 1755 e que fora inaugurado... a 2 de Abril desse mesmo ano! Qual? O Teatro Real do Paço da Ribeira... que ficaria conhecido por Ópera do Tejo por, claro, ficar situado junto ao rio, no espaço entre os actuais Praça do Comércio e Cais do Sodré, mais ou menos onde está hoje o Arsenal da Marinha.
A que então era considerada a maior e a melhor «casa da música» da Europa foi erigida por iniciativa do Rei D. José. O monarca continuava assim a tradição, iniciada pelo seu pai e antecessor, D. João V, e prosseguida pela sua filha e sucessora, D. Maria I, de alto patrocínio, por parte da Casa Real portuguesa, à arte da música. Em consequência dessa autêntica política de «mecenato cultural», muitos músicos estrangeiros, em especial italianos, foram convidados a vir e mesmo a residir no nosso país, para tocarem, ensinarem e comporem. Como seria de prever, depressa se sentiu a necessidade de construir um edifício que não só corporizasse, desse forma concreta, a esta atitude, a esta estratégia para com a arte em geral e para com a música em particular, mas que também simbolizasse a benevolência, o bom gosto e a magnificência dos soberanos. Curiosamente, foi também a um italiano que se encomendou, em 1752, o projecto do teatro: Giovanni Carlo Bibiena, filho de outro famoso arquitecto, Francisco Bibiena. A construção terá sido dirigida por João Frederico Ludovice, que já trabalhara no Convento de Mafra. Todos os documentos existentes sobre o edifício – textos descritivos, testemunhos de nacionais e de estrangeiros, plantas (projectos) e desenhos tanto de antes como de depois (do terramoto) – coincidem no salientar da sua imponência e sumptuosidade, no realçar da sua superioridade tanto estética como técnica em comparação com tudo o que se havia feito no género até aí. A estreia decorreu ao som da ópera de David Perez «Alessandro nell’Indie», cuja encenação requeria, a dado momento, a presença simultânea de 25 cavalos no palco! Mas não era só este o único sector do teatro com dimensões desmesuradas: a plateia teria seiscentos lugares e haveria três ou quatro ordens de camarotes, cada uma delas com oito; existiria uma extensa área de apoio sob o palco, com camarins, oficinas e escadas para a entrada e saída dos artistas e para o acesso aos outros pisos e zonas. A Ópera do Tejo seguia o modelo de uma edificação dita de «três volumes» - palco, plateia e átrio – e todos os que nela entravam podiam admirar as «esplêndidas decorações» em que sobressaíam as cores branca e dourada. O Teatro de S. Carlos, aberto em 1793, viria a revelar-se, face ao seu ilustre antecessor, um edifício menor... em tamanho e em luxo.
Porquê um projecto como este? O seu interesse e, logo, a sua justificação, podem ser encontrados na própria história deste teatro e no período durante o qual ele, por «poucos instantes», existiu. Trata-se, no fundo, de resgatar ao esquecimento quase geral – quantos de nós sabiam que este edifício tinha existido? – (mais) uma prova irrefutável de que no passado os portugueses também alcançaram elevados patamares de excelência artística (artes como as entendemos hoje e «artes» enquanto ofícios), em que se colocaram ao nível, e mesmo acima, do que se fazia na Europa e no Mundo. Enfim, está em causa (re)colocar a Ópera do Tejo entre o inventário do património arquitectónico histórico português: não devem ser só as construções que permanecem (mais ou menos) inteiras e aquelas das quais subsistem apenas vestígios arqueológicos, físicos, «palpáveis», que merecem um lugar na «memória oficial».
A primeira pessoa que contactei, e que convidei, para a tarefa de «reconstruir» a Ópera do Tejo foi Maria Alexandra Gago da Câmara, docente e investigadora com trabalhos publicados sobre os teatros do século XVIII. E da entidade escolhida para «parceira tecnológica», a Associação Recreativa para a Computação e Informática, vieram os restantes elementos da equipa: Silvana Moreira e Luís Sequeira. A ARCI desenvolve a sua actividade com base – preferencial – na plataforma Second Life, mais uma iniciativa de vanguarda tecnológica - e filosófica? - de origem norte-americana.

Hoje, 1 de Novembro de 2005, passam 250 anos sobre a destruição, pelo Terramoto de Lisboa, do Teatro Real do Paço da Ribeira, ou Ópera do Tejo.

Obras: "Enterrar os mortos, cuidar dos vivos"

Quando a guerra destruiu tudo o que temos,
quando a fome e a doença começam a nos enfraquecer,
quando a paz está longe de ser conquistada...
Que fazer? Que fazer?

Enterrar os mortos, cuidar dos vivos,
fechar os portos, abrir a esperança.
Estar pronto para aceitar a mudança,
lembrar que podemos sempre escolher.

Quando perdemos as pessoas que amávamos,
quando já não há mais ninguém a quem recorrer,
quando a solidão é a nossa única companhia...
Que fazer? Que fazer?

Enterrar os mortos, cuidar dos vivos,
fechar os portos, abrir a esperança.
Estar pronto para aceitar a mudança,
lembrar que podemos sempre escolher.

Quando não temos vontade nem coragem,
quando o amor é impossível de obter,
quando a felicidade parece perdida para sempre...
Que fazer? Que fazer?

Enterrar os mortos, cuidar dos vivos,
fechar os portos, abrir a esperança.
Estar pronto para aceitar a mudança,
lembrar que podemos sempre escolher.

Quando a existência é monótona e cinzenta,
quando o último sonho acabou de se desvanecer,
quando não resta outra saída senão o suicídio...
Que fazer? Que fazer?

Enterrar os mortos, cuidar dos vivos,
fechar os portos, abrir a esperança.
Estar pronto para aceitar a mudança,
lembrar que podemos sempre escolher.


Hoje, 1 de Novembro de 2005, passam 250 anos sobre o Terramoto de Lisboa... que, é preciso nunca esquecê-lo, também se fez sentir em outros pontos de Portugal.

Poema (Nº 162) escrito em 1987 e incluído no meu livro «Alma Portuguesa».

sábado, outubro 22, 2005

Oráculo: Ópera do Tejo «reabre» a 3 de Novembro

Hoje, 22 Outubro de 2005, a edição Nº 1721 do jornal Expresso traz, no seu caderno Actual, um suplemento de 24 páginas (e, no seu caderno principal, dois textos na página 19) sobre a passagem, no próximo dia 1 de Novembro, dos 250 anos do Terramoto de Lisboa. E entre as muitas iniciativas previstas para assinalar essa efeméride que ali são referidas, uma há que, mais do que a minha participação, recebeu de mim o impulso inicial – é uma ideia, um projecto, que tive aquando da preparação do meu livro «Espíritos das Luzes»: a reconstituição virtual em computação gráfica de um dos mais extraordinários edifícios que já existiram em Portugal, e que, tal como outros, foi destruído por aquele grande cataclismo – o Teatro Real do Paço da Ribeira, ou, como ficou mais conhecido, a Ópera do Tejo.
A primeira apresentação desse trabalho de «reconstrução» vai ter lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no próximo dia 3 de Novembro, no segundo dia do colóquio internacional «O Grande Terramoto de Lisboa: Ficar Diferente», organizado pelo Centro de Estudos Comparatistas em colaboração com a FLUL e a Fundação Cidade de Lisboa. «A Nostalgia de um Património Desaparecido: Uma Obra Emblemática de Encomenda Régia na Lisboa do XVIII - A Real Ópera do Tejo» é o título da comunicação» é o título da comunicação que será lida por Alexandra Câmara. Especialista, docente e investigadora, historiadora da arte com obra publicada sobre os teatros em Portugal no século XVIII, ela será como que a «porta-voz» do grupo de trabalho que eu integro, e que conta ainda com Luís Sequeira e Silvana Moreira, da Associação Recreativa para a Computação e Informática, que procederam, com base nos materiais disponíveis, à modelação tridimensional do desaparecido teatro; e porque os testemunhos conhecidos que ficaram desse notável edifício não são muitos, a obra exibida será não uma reprodução rigorosa mas sim uma evocação que se pretende o mais aproximada possível.
A nossa equipa e o nosso trabalho estarão em foco, além de na imprensa, também na rádio e na televisão: a 27 de Outubro é emitida na TSF uma entrevista a Alexandra Câmara, uma entre várias feitas a diversas personalidades que abordam a grande tragédia do Dia de Todos os Santos de 1755; e em Dezembro, em dia a anunciar, o programa «Entre Nós», da responsabilidade da Universidade Aberta e transmitido na RTP 2, será inteiramente dedicado a... nós.

terça-feira, outubro 11, 2005

Orientação: Mais um artigo no Notícias de Alverca

A edição Nº 213 do jornal Notícias de Alverca, publicada hoje, 11 de Outubro de 2005, e disponível até 4 de Novembro, inclui, na sua página 6, o meu artigo «A fábrica foi um sonho». Comprem e leiam!

quarta-feira, outubro 05, 2005

Opinião: Datas marcadas

Em Portugal há dias feriados correspondentes a datas históricas que foram sendo completamente adulterados e pervertidos no seu significado.
No 1º de Dezembro é mais celebrada a luta contra a Sida do que a restauração da independência - o que, provavelmente, até convém para alguns, que preferem não «ofender» os «nuestros hermanos» e vizinhos espanhóis, eles que dominam cada vez mais a nossa economia, além de não nos devolverem Olivença… Honra seja feita, porém, ao Grupo de Amigos de Olivença, essa agremiação de valorosos patriotas que em 2001, contra a maré do conformismo derrotista, a indiferença e por vezes até a chacota dos que não «mexem uma palha» para defender a dignidade do seu país (mas que, pelos cargos que ocupam, deviam mexer), conquistaram, em tribunal, uma importante vitória, impedindo que a ponte velha daquela cidade portuguesa ocupada fosse «cedida» a Espanha - pelo (des)Governo português de então - para «restauro»…
25 de Abril? Um momento decisivo da nossa história recente que, de tão mal assinalado, parece hoje mais distante do que é. E o 10 de Junho? Justifica-se que o «dia nacional» seja o aniversário de uma morte (a do seu maior poeta, é verdade, mas, mesmo assim…) que coincide também com a perda da independência do país? Completamente desacreditada, esta data tem nas suas comemorações apenas um pretexto para se distribuírem algumas condecorações.
O 14 de Agosto não é feriado, mas provavelmente devia ser. Neste dia, em 1385, aconteceu a Batalha de Aljubarrota, que assegurou - pelo menos até 1580 - a independência de Portugal. Em 2001 não houve comemorações… porque o Exército não dispunha de dinheiro para as fazer. No entanto, mesmo que tivesse, seria difícil de concretizar algo de condigno, porque o campo onde ocorreu o glorioso recontro está hoje quase todo urbanizado… Esta data não deixou de ser, todavia, devidamente e duplamente «festejada» nesse ano: com a derrota por 0-2, em Setúbal, da selecção nacional de futebol de sub-21 face à sua congénere espanhola; e pela vitória de mais um ciclista do país vizinho na etapa daquele dia da Volta a Portugal em Bicicleta.
É no 5 de Outubro, contudo, que a mistificação é mais escandalosa. Neste dia, muito mais do que a implantação da República em 1910, deveria comemorar-se o reconhecimento da independência - a assinatura do Tratado de Zamora - em 1143. Não são muitos os portugueses que sabem deste acontecimento, e a entrega nas escolas, em 2000, do chamado «kit patriótico», foi mais um contributo dos republicanos para a continuação, e até para o aumento, dessa ignorância. O pressuposto - isto é, a mentira - central dessa (tentativa de) lavagem cerebral nacional foi que a História de Portugal só começou, verdadeiramente, com a República.
A minha filha mais velha, que frequentava então o primeiro ano do ciclo básico, foi uma das muitas crianças que, quais potenciais criminosas, receberam nas suas escolas a «visita» da Guarda Nacional... Republicana para aprenderem «a identidade, os valores e os símbolos nacionais.» À noite, eu, como pai responsável que tento ser, expliquei-lhe que a Pátria é muito grande, não cabe numa caixa, não se reduz a alguns autocolantes, brochuras e discos, já teve outros hinos e bandeiras, e tem uma história muito antiga, em que aconteceram muitas coisas, umas boas, outras menos boas. E houve um rei e um príncipe - um pai e o seu filho - que foram mortos, assassinados, pelos antecedentes dos que hoje nos (des)governam. Na verdade, com a República a nossa história tem sido tudo menos um conto de fadas.
O «kit patriótico» foi uma iniciativa não só anacrónica e ridícula mas também, e principalmente, inútil e hipócrita. Inútil, porque os portugueses, e em especial os jovens, não precisam de caixas para envergarem as cores da bandeira e entoarem os sons do hino. Eles tiveram uma grande oportunidade para tal no Campeonato da Europa de Futebol de 2000 - sim, as grandes jogadas dos nossos rapazes (cada um deles era uma autêntica bandeira!) não foram só um «hino ao futebol» - mas não nos Jogos Olímpicos do mesmo ano (o que, recorde-se, não preocupou António Guterres, que afirmou que as medalhas não eram importantes…) nem no Campeonato do Mundo de Futebol de 2002… Hipócrita, porque partiu de pessoas que se têm notabilizado precisamente por enfraquecerem a coesão nacional, ao permitirem e incentivarem a integração (dissolução?) na União «Soviética» Europeia, onde, entre muitas outras normas absurdas dignas dos melhores planos quinquenais, são fixadas quotas máximas de produção de leite e multas para aqueles que as excederem.
Todos os portugueses, incluindo os mais novos, querem orgulhar-se do seu país. Esta é, porém, uma tarefa cada vez mais difícil, porque ele tem vindo a ser paulatinamente transformado numa grande anedota de mau gosto pelos praticantes da chamada «ética republicana». «Ética» que, comprovou-se definitivamente nos últimos anos, condiciona o interesse nacional e a transparência pública a benefícios duvidosos de grupos obscuros; que tem como «valores» a impunidade, a incompetência e a irresponsabilidade; que tem como lemas o «vale tudo», o «deixa andar» e o «a culpa morre solteira». «Ética republicana» que, enfim, provou ser um terreno fértil para a corrupção. Portugal é um dos países mais corruptos da Europa, e não somos nós que o afirmamos, mas sim diferentes organizações internacionais nos seus relatórios anuais e diversos comentadores nacionais nas suas colunas nos jornais. E comprova-se pelo aumento de detenções criminais e de processos nos tribunais…
Até agora, o crime tem compensado, mas talvez não por muito mais tempo. Farto de «pagar e calar», o povo está quase a perder a paciência. É algo que se ouve, se vê, se sente - e que não desapareceu com as mudanças (?) decorrentes das eleições autárquicas e legislativas. As «gotas» continuam a cair, o «copo» está quase a transbordar, e ainda vamos ver, quem sabe, alguns «vendidos» a serem «atirados» da janela abaixo.

Artigo publicado no jornal Vida Ribatejana, Nº 4225, 2003/4/30.

sábado, outubro 01, 2005

Obras: «Códigos»

O meu livro «Códigos» não é para ser lido mas sim para ser ouvido. É, de certa forma, para ser «oulido».
«Códigos» começou por ser – e ainda é – um passatempo. Uma experiência contínua. Que só se tornou possível com o advento do disco compacto. A digitalização da música, e em especial da sua reprodução, veio permitir – graças à função Program – que qualquer pessoa ouça discos pela ordem que quiser. Com o disco de vinil estávamos «prisioneiros» da sequência decidida pelos artistas e/ou pelas editoras. Agora não. Podemos adaptar cada disco à nossa sensibilidade, aos nossos desejos, à nossa criatividade.
O que está em causa no «reordenamento» das canções não são tanto as músicas mas sim as letras. Desde que comecei a ouvir discos «a sério» sempre prestei muita atenção às lyrics. Eu leio tudo, até a ficha técnica! Já na «era do vinil» pensava frequentemente – e ficava frustrado, porque nada podia fazer quanto a isso – que determinada canção estaria melhor junto a outra, que certa canção deveria abrir o álbum e outra deveria fechá-lo, ou vice-versa. Porquê? Porque, sem dúvida por influência dos livros e dos filmes, fui formando a ideia de que também os discos devem contar uma história com princípio, meio e fim. Por isso, assim que adquiri o meu primeiro leitor de CD’s comecei a procurar o livro que há em cada disco. E cada canção é como um capítulo. Eu sou também um escritor, um contador de histórias, e acredito que as palavras têm – devem ter - sempre primazia sobre a música, por mais bela e poderosa que ela seja. A meu ver, um tema musical totalmente instrumental é um tema desperdiçado. Nenhum som é mais importante, na comunicação, que a voz humana... e esta só se torna relevante e pode alcançar a plenitude quando tem mensagens para transmitir.
Subjectivo? Sem dúvida, muito. Mas, de certa forma, lógico. E atenção: não pretendo afirmar que a leitura que eu faço de cada disco é a única ou a melhor, longe disso! Existem tantas combinações quantas as permitidas pelo número de faixas de cada obra... e quantas as pessoas que estejam dispostas a empreender esta experiência.
No fundo, trata-se de fazer de cada álbum um concept-album. Quem nos diz a nós que cada artista (indivíduo ou grupo) não procurou dizer em cada disco - mesmo que inconscientemente, indirectamente – uma história? Afinal, não é cada álbum um reflexo e/ou um repositório das experiências, dos interesses, das sensações durante um dado período? Preocupados, muito provavelmente, em gerir cada trabalho de acordo com o padrão «tradicional» (alternância entre canções lentas e rápidas, ou entre canções «fortes» e «fracas»), os artistas possivelmente nem se apercebem da linha narrativa que está subjacente ao que fazem.
Que uma coisa fique clara: de maneira nenhuma o conteúdo do meu livro, bem como o método que esteve na sua origem, é um desrespeito aos artistas referidos e às suas obras. Muito pelo contrário. E limitei-me a fazer algo que a tecnologia me permite, mas que não é de certeza ilegal ou imoral como fazer downloads ou samples não autorizados.
Desde 1990 já ouvi, analisei e «codifiquei» mais de 500 discos. Caleidoscópio, não de cores, mas de canções, «Códigos» é menos um ensaio crítico – que também é, embora nada ortodoxo – e mais um «roteiro», um «guia» com sugestões de «viagens», de «percursos» pela música. Abaixo estão indicados dez desses percursos.

Alanis Morissette: Jagged Little Pill
» 4 » 8 « 3 » 12 « 1 » 11 « 7 « 5 « 2 » 13 « 9 » 10 « 6

Bjork: Homogenic
» 6 » 9 « 8 « 7 « 1 » 4 » 5 » 10 « 2 » 3

Cabeças No Ar: Cabeças No Ar
» 8 « 1 » 13 « 12 « 9 « 3 » 11 « 4 » 5 « 2 » 10 » 14 « 7 « 6

Daniela Mercury: Feijão Com Arroz
» 14 « 7 » 10 « 8 « 4 « 2 » 13 « 9 » 11 « 3 » 5 « 1 » 12 « 6 » 15

Nelly Furtado: Folklore
» 3 » 8 « 2 » 9 « 1 » 7 « 4 » 10 » 12 « 6 « 5 » 11

Prince: 1999
» 1 » 5 « 3 » 11 « 6 « 2 » 7 « 4 » 9 » 10 « 8

Queen: Innuendo
» 6 « 3 » 10 « 9 « 2 « 1 » 4 » 8 « 5 » 7 » 12 « 11

Radiohead: OK Computer
» 5 » 10 « 7 » 8 « 6 » 9 « 2 » 12 « 11 « 1 » 4 « 3

Tribalistas: Tribalistas
» 13 « 1 » 12 « 2 » 4 » 7 » 11 « 5 « 3 » 6 » 10 « 9 « 8

U2: The Joshua Tree
» 7 » 8 « 3 » 5 » 6 « 1 » 10 « 4 » 11 « 9 « 2


Hoje, 1 de Outubro de 2005, celebra-se o Dia Mundial da Música.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Organização: «Nautas» registado na IGAC

Entreguei hoje, 23 de Setembro de 2005, na sede da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, situada no Palácio Foz, em Lisboa, o requerimento de registo de direito de autor - que deu entrada sob o número 6859/05 - sobre mais uma obra: «Nautas – Fragmentos da Construção da Sociedade da Informação em Portugal» é um livro que reúne aqueles que eu considero serem os melhores e/ou os mais importantes textos jornalísticos escritos por mim durante cerca de seis anos, mais concretamente entre 1997 e 2003.
Nesse período, ao serviço das revistas Cyber.Net, Interface e Comunicações, tive a oportunidade e o privilégio de observar de perto a evolução do sector das tecnologias de informação, média e telecomunicações no nosso país, de testemunhar a construção da Sociedade da Informação em Portugal. Esse trabalho não deve ter sido inteiramente irrelevante, porque, em representação daquelas três publicações, fui distinguido - com, respectivamente, um primeiro lugar absoluto, uma menção honrosa e um co-primeiro lugar ex-aequo - em três anos consecutivos pelo Prémio de Jornalismo Sociedade da Informação, atribuído pelo anterior Ministério da Ciência e da Tecnologia.
Os três artigos premiados – intitulados «A cartilha virtual», «A vida em sociedade» e «No país dos comerci@ntes» (escrito com o meu amigo e então colega João Paulo Aires) - estão, obviamente, presentes neste livro. Que está subdividido em nove capítulos: 1) Digitalizar Portugal - Principais tarefas e projectos da Sociedade da Informação nacional; 2) Buro(ti)cracia - Planos e acções de modernização da Administração Pública; 3) O info-inimigo - À procura de soluções para o problema do ano 2000; 4) Escolas com virtualidades - Aprofundar a educação, a formação e a integração; 5) E-Uropa - Políticas da União Europeia para as tecnologias da informação e comunicação; 6) Telefones sem «fios» - Liberalização ou libertação nas telecomunicações?; 7) Empresas em linha - Comércio electrónico e economia digital; 8) Formas (d)e conteúdos - Evolução e desenvolvimento da imprensa, audiovisual e multimédia; 9) Ciber-nacionalidade - Construindo ligações electrónicas em português.
Mais do que as características e as capacidades das máquinas, o que sempre me interessou são as ideias e as iniciativas dos indivíduos e das instituições. «Nautas – Fragmentos da Construção da Sociedade da Informação em Portugal» é por isso uma obra que procura identificar as principais questões, dúvidas, soluções e polémicas que a modernização tecnológica do país tem suscitado. Esta é, enfim, uma obra que apesar de ser abrangente, não pretende ser completa ou exaustiva; seria difícil, se não impossível, alguma neste género sê-lo. Quer, isso sim, assumir-se como uma referência relevante, como um contributo, necessariamente modesto, para o registo, análise e compreensão de um processo indispensável e indissociavelmente ligado ao desenvolvimento – técnico, económico, social, cultural - de Portugal.
«Nautas – Fragmentos da Construção da Sociedade da Informação em Portugal» espera, agora, uma editora que se disponha a publicá-lo e a promovê-lo.

sexta-feira, setembro 09, 2005

Opinião: Em quem votar?

No dia 9 de Outubro de 2005 realizam-se, mais uma vez, eleições autárquicas em Portugal. E aos que ainda têm dúvidas – e também, já agora, aos que não têm - sobre em quem devem votar para Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, permito-me sugerir três critérios que poderão ajudar a uma decisão definitiva. Assim, e na minha opinião, o candidato ideal seria aquele que, em especial, e entre outros aspectos:
1 – Rejeitasse definitivamente o crescimento urbanístico como principal factor de «desenvolvimento» do concelho e recusasse claramente ser um(a) «pau-mandado(a)» dos construtores civis, nomeadamente de Eduardo Rodrigues e da Obriverca;
2 – Reconhecesse que Vila Franca de Xira não é a cidade mais importante do município, e, mesmo que não defendesse a restauração do concelho de Alverca, preconizasse a valorização institucional, económica e cultural daquela e também da Póvoa, de Vialonga e de Alhandra;
3 – Repudiasse a «festa brava» enquanto elemento fundamental da identidade do concelho e não prestasse a habitual «vassalagem» aos seus aficcionados, tanto antes como depois da votação.
Sei que é muito difícil que, entre os candidatos já conhecidos, exista um que reuna estas condições, ou qualidades. E sei que ainda mais difícil, ou mesmo impossível, seria que, existindo um, conseguisse vencer as eleições. Porém, há que tentar... e não há que desanimar. Se não for desta, quem sabe se será para a próxima? Afinal, quem aguentou quase 30 anos de incompetência pode muito bem aguentar mais quatro...

domingo, agosto 28, 2005

Ordenação: 20 filmes...

... Inesquecíveis. Que me impressiona(ra)m. Que me marca(ra)m. Que me influencia(ra)m. Mas atenção: esta lista não é necessariamente definitiva... embora esteja muito perto de o ser.

«The Crowd» (1928), de King Vidor

«A Canção de Lisboa» (1933), de Cottinelli Telmo

«The Great Dictator» (1940), de Charles Chaplin

«O Pátio das Cantigas» (1942), de Francisco Ribeiro

«It’s a Wonderful Life» (1946), de Frank Capra

«North by Northwest» (1959), de Alfred Hitchcock

«Ben-Hur» (1959), de William Wyler

«The Sound of Music» (1965), de Robert Wise

«2001: A Space Odyssey» (1968), de Stanley Kubrick

«Roma» (1972), de Federico Fellini

«O Rei das Berlengas» (1978), de Artur Semedo

«Apocalypse Now» (1979), de Francis Ford Coppola

«Excalibur» (1981), de John Boorman

«Raiders of the Lost Ark» (1981), de Steven Spielberg

«Blade Runner» (1982), de Ridley Scott

«Aliens» (1986), de James Cameron

«Empire of the Sun» (1987), de Steven Spielberg

«The Abyss» (1989), de James Cameron

«Terminator 2: Judgement Day» (1991), de James Cameron

«Titanic» (1997), de James Cameron

domingo, agosto 14, 2005

Opinião: A Monarquia está viva!

Portugal (sobre)vive há 90 anos sob um regime que, embora tendo já conhecido três «versões», não tem, nunca teve e nunca terá uma verdadeira legitimidade histórica. Não apenas por ter sido instaurado através de um golpe de Estado de um movimento minoritário, e por não ter sido posteriormente referendado e ratificado. A república não tem a legitimidade da Monarquia porque foi com esta que o país nasceu e cresceu.
É à Monarquia que Portugal deve a sua identidade cultural, a sua unidade enquanto nação, e também as páginas mais gloriosas da sua história. Tudo o que Portugal conseguiu de notável em mais de 800 anos, em especial os Descobrimentos, que os republicanos tanto gostam de comemorar, se deve a reis como D. Afonso Henriques, D. Dinis e D. João II, que, mais do que representantes máximos de um regime, foram verdadeiros líderes, autênticos chefes de Estado, que concebiam e dirigiam na prática, todos os dias, os grandes projectos nacionais.
Os republicanos costumam apresentar, como argumento a seu favor, o facto de qualquer pessoa poder ser presidente... desde que tenha mais de 35 anos. Isso constitui precisamente a maior desvantagem, porque é óbvio que não é qualquer pessoa que pode ser o chefe de Estado. Além de que, no contexto da União Europeia, um país é mais facilmente «federalizável» se for uma república: por mais inteligente, influente e importante que seja, um presidente da república é sempre uma espécie de funcionário público, embora de nível superior. Um Rei e uma Rainha, pelo contrário, estão sempre acima, e fora, de uma lógica «administrativista». Um Rei e uma Rainha não são «burocratizáveis».
A Monarquia permite, se for bem estruturada e dirigida, que os futuros chefes de Estado recebam, desde muito cedo, a melhor educação possível, de modo a que o Rei e/ou a Rainha possa vir a constituir um elemento de coesão, de equilíbrio, mas também de motivação, de dinamismo. Portugal precisa de um(a) monarca porque os problemas deste país são, mais do que políticos ou económicos, psicológicos e culturais. O poder real é essencialmente simbólico, mas tal não significa abstracto ou inútil: é concreto e relevante. O regime monárquico é o que reúne as melhores condições para dar definitivamente a Portugal um novo ânimo, uma nova confiança, uma nova esperança, enfim, uma nova alma. É o único que pode recuperar e completar a herança de um passado histórico, ligando-a com o presente e projectando-a para o futuro. E a Monarquia só terá a ganhar se for laica, baseada numa nobreza constituída principalmente sobre o valor das palavras e dos actos das pessoas que a ela aspiram, e não só em títulos nobiliárquicos.
Quanto mais não seja pelo nascimento dos filhos dos Duques de Bragança, este é o momento ideal para todos os monárquicos se assumirem e movimentarem no sentido de conseguirem a realização de um referendo. Há que desafiar os republicanos, e estes só terão a perder se recusarem, porque revelarão ter medo de que, ao contrário do que apregoam, a maioria dos portugueses não apoie a república. A Monarquia deve ser restaurada e exercida democraticamente, e de preferência pacificamente. Todavia, e porque a história de Portugal deste século foi a que foi, os monárquicos teriam toda a legitimidade para, se quisessem, derrubar a república pela força das armas, reunindo os seus partidários, tomando os principais órgãos de poder e ocupando os principais centros de influência.
Mas os monárquicos não precisam de fazer isso, embora em consciência o pudessem. Tal como nunca seriam capazes, estamos certos, de assassinar o presidente da república e o seu filho.

Hoje, 14 de Agosto de 2005, passam 620 (600+20) anos sobre a Batalha de Aljubarrota.

Artigo publicado no jornal Semanário, Nº 892, 2000/12/22.

sábado, agosto 06, 2005

Obras: "O último samurai"

Contemplando o sol nascente num jardim de lótus está o último samurai.
Ele é o último sobrevivente de uma honrada tradição de gloriosos guerreiros
mas agora soam já muito distantes os ecos dos gritos de banzai.

Ele continuou a lutar durante décadas após a guerra estar terminada.
E apesar de ter sido obrigado a depor as armas
no seu espírito a sede de combater nunca foi saciada.

Ainda colocou o lenço branco na cabeça e ofereceu-se como kamikaze.
Mas do céu outro vento divino primeiro soprou,
lançando sobre as ilhas do império uma horrível tempestade.

Com o imperador morto ele sabe que o seu tempo também findou.
Depois de uma taça de saké ele está pronto para o seppuku,
e despede-se de uma época a que não pertence e que nunca o respeitou.

Ele quis que guardassem as suas cinzas num templo do sagrado monte Fuji.
Contra a sua vontade a electrónica profanou a cerimónia
e a sua alma foi evocada num ecrã de televisão e não num palco do Kabuki.


Hoje, 6 de Agosto de 2005, passam 60 anos sobre o lançamento da bomba atómica em Hiroshima.

Poema (Nº 241) escrito em 1991 e incluído no meu livro «Museu da História».

sábado, julho 09, 2005

Opinião: Um desejo chamado Tejo

Não é o único do país em que tal acontece, mas o concelho de Vila Franca de Xira é marcado por um paradoxo: dispõe de diversas vias de comunicação que o atravessam mas que acabam por ser, também, autênticas barreiras. A A1, a EN 10 e a Linha (ferroviária) do Norte, apesar dos benefícios, óbvios, em acessibilidade e mobilidade que proporcionam, têm constituído igualmente sérios constrangimentos à organização e gestão do território.
Porém, existem outras barreiras, mais recentes, que se têm revelado, literalmente, verdadeiras paredes que impedem, indirecta ou mesmo directamente, o aumento da qualidade de vida deste município: os sucessivos - e excessivos - empreendimentos urbanísticos, promovidos invariavelmente pela mesma entidade com a conivência dos órgãos autárquicos, e dos quais tem resultado, basicamente, o congestionamento do seu espaço e a destruição da sua fisionomia.
Existe uma freguesia que, até agora, e felizmente, se tem mantido à margem deste pseudo-progresso: Alhandra. Tal deve-se em muito ao facto de ser a única a ficar situada «para lá» dos carris... e, também por isso, a única a poder desfrutar em pleno da mais importante, e ancestral, via de comunicação – e fronteira - desta região, e que é, em simultâneo, a sua maior marca de identidade: o Tejo. O que era uma desvantagem tornou-se uma vantagem. E, hoje, possibilitar à população deste concelho um completo contacto com o rio é, mais do que um grande desejo, o maior desafio que se coloca a uma política local digna desse nome.

Artigo publicado no jornal Notícias de Alverca, Nº 210, 2005/6.

quinta-feira, julho 07, 2005

Outros: SbH faz de «Visões» um áudio-livro

Teve lugar hoje, 7 de Julho de 2005, na Culturgest, em Lisboa, a conferência de apresentação – a um «grupo de empresários e investidores», e não só - das 16 equipas/empresas finalistas – ou, dito de outra forma, das 16 melhores ideias – submetidas e seleccionadas durante o (primeiro) Concurso Nacional de Empreendedorismo. Trata-se de uma iniciativa conjunta da Caixa Geral de Depósitos e da Universidade Nova de Lisboa que, com o patrocínio de outras entidades e empresas, como a Fujitsu Siemens, a Microsoft e a OutSystems, e sob o lema «Fazer da vontade realidade», tem como principais objectivos «incentivar a inovação e estimular a cultura empreendedora e, deste modo, contribuir para revitalizar o tecido empresarial nacional» através da criação de «condições para o desenvolvimento de projectos de que resultem novas e promissoras unidades de negócio.»
Uma dessas 16 «novas e promissoras unidades de negócio» é a Solutions by Heart. Liderada por Albertina Dias e Jorge Raposo, a sua principal actividade é «a produção audiovisual e multimédia, com a missão de disponibilizar produtos culturais, no formato de audiobook, nas áreas de educação, lazer, informação e tempos livres.» Posteriormente, o objectivo será também, «utilizando os mesmos recursos e sem investimento adicional», desenvolver «outros produtos e serviços, tais como multimédia, publicidade e música.» Os promotores deste projecto realçam as vantagens inerentes a um formato como o audiobook: portabilidade e mobilidade; facilidade de utilização (leitores portáteis de CD e MP3, por exemplo); impacto cultural; acesso de comunidades de indivíduos com dificuldades de leitura. E destacam igualmente a oportunidade de negócio: «O audiobook atingiu a fase de maturidade nos mercados dos países mais desenvolvidos, especialmente o norte-americano», onde possuirá já uma «quota significativa» entre os produtos culturais. «A necessidade já foi criada nos países desenvolvidos e, como tal, perspectiva-se uma adesão semelhante nos restantes países.» Existirá actualmente a possibilidade de «antecipação às necessidades que se perspectivam a curto prazo, produzindo audiobooks para fornecer o mercado nacional com edições em português e conteúdos alinhados com os requisitos culturais nacionais.»
Um dos primeiros áudio-livros que a SbH deverá produzir, pelo menos numa fase experimental, terá como base o meu livro «Visões», editado originalmente – em papel – em Outubro de 2003. Espero poder dar, brevemente, informações mais pormenorizadas sobre esta colaboração.

segunda-feira, junho 27, 2005

Organização: «Espíritos...» registado na IGAC

Após quinze anos de reflexão, dois de preparação e cinco meses de redacção – iniciada a 22 de Janeiro e terminada a 21 de Junho de 2005 – requeri hoje, 27 de Junho, na sede da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, situada no Palácio Foz, em Lisboa, o registo da minha nova obra literária. O seu título é «Espíritos das Luzes».
Na folha do requerimento descrevo este meu livro – que deu entrada na IGAC sob o número 5128/05 - como sendo uma «obra de ficção em prosa, próxima do género romance; fantasia baseada em factos e figuras reais da história portuguesa, mais concretamente do século XVIII.»
O ano de 2005 é, vai ser, foi, um ano marcado, entre outras, por importantes efemérides relacionadas com factos e figuras históricas do século XVIII em Portugal: os 250 anos do Terramoto de Lisboa; os 200 anos das mortes de Manuel Maria Barbosa du Bocage e do pintor Francisco Vieira, o Portuense (nascido, tal como o poeta de Setúbal, em 1765!); os 275 anos do nascimento de Manuel de Figueiredo e os 300 anos dos nascimentos de António José da Silva e de Matias Aires (escritores); os 300 anos da morte de Catarina de Bragança; os 250 anos da restituição da liberdade aos índios do Brasil (acompanhada da concessão de privilégios a portugueses que casassem com índios, para o fomento do povoamento do território); os 250 anos da inauguração da Ópera do Tejo (destruída, meses depois, no terramoto).
Tendo-me apercebido deste facto, decidi antecipar a concretização de um projecto que concebi há já muitos anos: um livro que de certa forma «mistura» o ambiente do Portugal setecentista com um cenário de ficção científica – duas das minhas grandes «paixões». Embora seja, à partida, uma obra de ficção, um romance (?), uma fantasia, «Espíritos das Luzes» assenta, contudo, na presença de personagens reais, cujas falas serão na sua totalidade, ou quase, as suas próprias palavras, tal como as escreveram e deixaram nos seus livros, discursos, cartas e outros documentos. Assim, e além de Bocage, que é, inevitavelmente, um dos «protagonistas» principais, outros nomes incontornáveis daquela época que fazem igualmente a sua «aparição» incluem: o Marquês de Pombal; a Rainha D. Maria I; o intendente Pina Manique; a Marquesa de Alorna; Luísa Todi; Leonor Pimentel; o Cavaleiro de Oliveira; Luís António Verney; António Ribeiro Sanches; Filinto Elísio; Nicolau Tolentino; Manuel da Maia; Vieira Portuense. Isto quanto a portugueses; quanto aos estrangeiros, apesar de menos, eles estão (bem) representados por William Beckford (outro dos principais protagonistas), Voltaire, Kant... e um certo marquês francês...
Todos eles foram nomes de destaque do chamado «Século das Luzes», mas nem todos foram exactamente contemporâneos e nem todos chegaram de facto a encontrar-se e a dialogar. Mas porque, precisamente, a ideia inicial, o objectivo principal, é recordar e homenagear – e invocar – esses nomes, pareceu-me sempre uma solução acertada imaginar uma realidade alternativa, um «universo paralelo», um mesmo «tempo» e um mesmo lugar – Lisboa, claro, mas uma Lisboa diferente - onde todos eles pudessem coexistir e interagir. O meu livro é, pois, um trabalho híbrido, parte ficção – o contexto e o enredo que eu criei – e parte realidade – as palavras que eles escreveram há mais de dois séculos. A própria impressão do livro deve reflectir esse carácter híbrido, misto, utilizando dois tipos de letra, um para cada nível de leitura.
«Espíritos das Luzes» espera, agora, uma editora que se disponha a publicá-lo e a promovê-lo… e a lançá-lo, de preferência e se possível, no dia 1 de Novembro próximo.

sexta-feira, junho 10, 2005

Opinião: Nautas, sempre!

«Vês aqui a grande máquina do Mundo/etérea e elemental, que fabricada/assi foi do Saber alto e profundo/que é sem princípio e meta limitada./Quem cerca em derredor este rotundo/globo e sua superfície tão limada/é Deus; mas o que é Deus ninguém o entende/que a tanto o engenho humano não se estende.»
Luís de Camões, «Os Lusíadas», Canto X, 80-87

«Armada intérmina surgindo/sobre ondas de uma visão estranha/do que por haver ou do que é vindo –/e o mesmo: venha!/Vós não soubeste o que havia no fundo incógnito da raça/nem como a Mão, que tudo guia/seus planos traça.»
Fernando Pessoa, «Quinto Império» (excerto)

Há, como se sabe, uma analogia entre o mar e o ciberespaço, comprovada pela utilização constante de termos náuticos – «navegar», «surfar», «explorar» - quando se fala da rede informática mundial. Porém, se esta analogia não tem um significado especial para outros países e povos, tal não é o caso para Portugal e para os portugueses.
É precisamente essa identificação, essa integração de símbolos do passado com símbolos do presente - que é já futuro em muitos casos - que pode contribuir decisivamente, como forte incentivo, para o nosso progresso, desenvolvimento e até mesmo - porque não? - supremacia no domínio das novas tecnologias da informação e da comunicação. Esta convicção é partilhada por muitas pessoas, e, ao longo destes últimos anos, fizeram-se inúmeras declarações em que a construção da Sociedade da Informação é apresentada quase como sendo uns «Novos Descobrimentos». Uma das primeiras personalidades a destacar-se nesse sentido foi José Mariano Gago - veja-se, por exemplo, a sua introdução ao Livro Verde da Sociedade da Informação, de 1997.
Três exemplos - e provas - de um «retomar electrónico» do imaginário quinhentista foram dados por três pioneiras e importantes iniciativas nacionais no âmbito da utilização das novas tecnologias: o Nónio - Século XXI, do Ministério da Educação; o Terràvista, lançado pelo Ministério da Cultura (mas entretanto já «privatizado», vendido e suspenso); e o REDEScoberta 2000, liderado pela Associação (de Língua Portuguesa) para o Desenvolvimento do Teletrabalho.
O primeiro projecto foi buscar o seu nome ao «instrumento de medida de grande precisão» criado pelo «grande matemático, geógrafo e pedagogo» português do século XVI Pedro Nunes; tal como o Nónio, também as TIC são um símbolo e «instrumentos de rigor e de conhecimento - não são fins em si mesmas.»
O segundo, estruturado em torno de «praias», «portos», «faróis», «estaleiros», «marujos» e «marujas», foi apresentado e justificado deste modo: «Os portugueses e, com eles, a sua língua e cultura, foram um dos primeiros povos globais do planeta, numa teia de influências recíprocas com quase 600 anos de construção. A “glocalidade” da rede é uma reprodução da “glocalidade” de uma cultura como a portuguesa, presente nos quatro cantos do Mundo. O movimento é o mesmo dos Descobrimentos: Portugal “glocal”. Hoje, na Internet, o imaginário da navegação e da exploração domina. Fala-se da fronteira electrónica, do território por mapear, de surfar e navegar na rede. Por todo o lado nascem portos seguros, ancoradouros e ilhas. Locais onde um grupo de utilizadores se acaba por fixar, que acaba por frequentar. 200 milhões de falantes da língua portuguesa: uma comunidade lusófona dispersa pela geografia, que a tecnologia pode contribuir para reunir; uma comunidade virtual global dinâmica e em crescimento. É preciso criar uma dinâmica de presença crescente da lusofonia na Internet.»
O terceiro projecto referido, cujo objectivo é desenvolver o teletrabalho junto dos cidadãos dos países de língua oficial portuguesa, representa para os seus organizadores «uma oportunidade histórica de fazer avançar a nau portuguesa pelas águas bravias do ciberespaço, redescobrindo territórios para o trabalho em rede e alargando as fronteiras da identidade linguística.»
Como se vê, os portugueses continuaram a ser «nautas». Antes, foram «argonautas» quando, na época dos Descobrimentos, partiram de Portugal e navegaram pelo Atlântico, pelo Índico, pelo Pacífico... Agora, na época da Sociedade da Informação, são «cibernautas». Em casa, na escola ou no trabalho buscam no seu computador, não o caminho marítimo, mas o caminho electrónico para a Índia… e para todos os outros países do Mundo.
Portugal foi uma nação dominante no Mundo quando a oralidade era a forma dominante de expressão e conservação de conhecimentos. A oralidade pressupõe uma vontade comum, um esforço colectivo, uma maior interligação entre as pessoas, um maior sentido de vida e actividade comunitárias. Com o advento da cultura escrita, pela invenção e generalização da imprensa, o saber tornou-se individualizado, perdeu o seu carácter colectivo, tornou-se quase uma questão íntima, embora com consequências sociais. Originou outro tipo de cultura, que é também uma outra atitude, outra maneira de ser e de estar. Que não é a de Portugal e dos portugueses.
A era da Internet é também a era de uma nova oralidade, ou, dizendo melhor, de uma «cultura visual», multimédia, cujos pressupostos e características, em especial a constituição de comunidades virtuais/reais, se assemelham bastante aos da antiga oralidade. Portugal e os portugueses, pelos exemplos qualitativos que têm dado, de apetência e de adaptação a esta nova era, poderão triunfar de novo. A Internet pode ser, de certa forma, a concretização do sonho e da profecia do Quinto Império, da Idade do Espírito Santo, tantas vezes anunciada e descrita por homens como António Vieira e Agostinho da Silva. A Rede, resultado de uma multiplicidade de espaços atravessados em todos os sentidos e em todos os momentos por quantidades de conhecimentos praticamente incomensuráveis, parece ter qualquer coisa de místico, de divino. Algo que os portugueses talvez estejam em condições de interpretar, compreender e utilizar plenamente.

Artigo publicado na revista Tempo, Nº 80, 2005/6/1.

sexta-feira, junho 03, 2005

Orientação: Artigo no jornal Notícias de Alverca

A edição Nº 210 do jornal Notícias de Alverca, publicada hoje, 3 de Junho de 2005, e disponível até 8 de Julho, inclui, na sua página 6, o meu artigo «Um desejo chamado Tejo». Comprem e leiam!

quinta-feira, junho 02, 2005

Opinião: Por uma nova literatura

Um dos maiores problemas, se não o maior, da actividade literária e livreira em Portugal está em ainda não se considerar devidamente o livro como um produto, e, logo, como algo sujeito às regras do mercado. Modificar o modo como se encara e se trabalha o sector implica melhorar a fase final do processo, isto é, a distribuição e a promoção, mas não só: são necessárias transformações na própria escrita, nos objectivos e nas técnicas de elaboração de um livro.
Com o advento das novas tecnologias da informação e da comunicação, do desenvolvimento do computador, dos sistemas multimédia, da Internet, do e-book, muitas foram as vozes a profetizarem o desaparecimento do livro, ou, pelo menos, a sua inevitável subalternização. É quase impossível que isso aconteça: a História ensina-nos que, normalmente, nenhum novo meio de comunicação ou de expressão artística elimina o antecedente; o cinema não acabou com o teatro, a televisão não acabou com o cinema nem com a rádio, esta não acabou com os jornais; e o livro na sua «forma em carbono» tem uma autonomia e uma durabilidade que a sua «versão electrónica» (ainda) não tem.
A invenção e o desenvolvimento da imprensa permitiram a expansão da boa literatura, mas também o alastramento de vários tipos de lixo literário. Antes, quando um livro era um bem raro e precioso, havia um cuidado muito maior com aquilo que se escrevia. Todos os livros, ou quase, eram também grandes livros, pela dimensão, pela valia artística intrínseca, ou ambas. Aliás, não é por acaso que quanto mais se avança no tempo menos existem livros importantes, obras de referência, clássicos indiscutíveis e de especial significado para uma ou mais gerações.
Actualmente, os livros tendem a submeter-se à realidade em vez de a tentarem dominar – e isto acontece principalmente na ficção. Muitos escritores parecem fazer várias vezes o mesmo livro em lugar de fazerem livros diferentes. A poesia, em particular, só é reconhecida e publicada pelos «entendidos» se for complexa, hermética, ilegível; um «verdadeiro» poeta quase que tem de criar uma nova linguagem de cada vez que escreve um livro, em vez de tentar transmitir as suas ideias e sentimentos, de uma forma clara e simples, ao maior número possível de pessoas - os que fazem isso só escrevem «lugares comuns».
Neste momento, no século XXI, não há lugar para muitos (ou mesmo todos) dos «ismos» que têm marcado e dominado a história da literatura. Romantismo, realismo, neo-realismo, naturalismo, surrealismo, existencialismo, modernismo, pós-modernismo, já não são suficientes para reflectir as novas realidades e actuar sobre elas. A escolher um nome, um «ismo» para uma nova corrente literária, adaptada aos novos tempos e às suas características, ele só poderia ser um: «sintetismo». Porque os livros têm que incidir sinteticamente sobre o que é essencial.
A literatura deveria contribuir para a procura, para a construção de uma unidade, de um equilíbrio, de uma síntese, não só da própria obra mas também das pessoas às quais ela se destina. Ao invés, grande parte da literatura deste século é caracterizada pela fragmentação, pela dispersão, pela confusão artística e mental. Este estado de coisas é o resultado do mal estar característico do século passado, pródigo em atrocidades de toda a espécie, mas também, mais subtilmente e também por causa disso, do domínio e da influência que a psiquiatria, a psicologia, a psicanálise e todas as correntes e subespécies que delas derivaram têm exercido na sociedade e na cultura. O «psi» na literatura privilegia a desarticulação das ideias e das frases, a exposição das fraquezas e dos traumas, aspectos que as duas guerras mundiais só vieram agravar. A literatura teria necessariamente que se ressentir do (mau) ambiente que a rodeava. A fragmentação é, no entanto, uma característica inexorável da literatura, tanto da antiga como da nova. A diferença está em considerá-la ou como ponto de partida ou como ponto de chegada. Na nova literatura ela é, deve ser, sempre um ponto de partida para algo mais completo e superior - um sentido último, uma mensagem derradeira, um sentimento dominante, uma imagem de síntese.
Escrever na «Era da Internet» – e, muitas vezes, para a Internet – implica uma certa disciplina. Mas é a obra, o livro, que é mais importante, e não o autor. Tem que ser útil, relevante, no seu tema e/ou na maneira como o trata. O livro deve ser escrito, construído, trabalhado, fortalecido de uma maneira tal que possa sobreviver no futuro sem ser preciso recorrer à fama ou ao talento da pessoa que o criou. Todos os livros devem constituir como que unidades independentes, ou pelo menos autónomas; devem constituir como que «organismos vivos»; devem conquistar os públicos por si próprios; devem, na medida do possível, fornecer respostas, soluções, exemplos, modelos de conduta, para muitos problemas e situações. A nova literatura, a verdadeira literatura, deve ser uma força ao serviço da ordem e contra o caos, ao serviço da vida e contra a morte.
Os livros construídos deste modo, apesar de coerentes e equilibrados interiormente, dificilmente serão enquadráveis, integráveis em categorias e colecções «normais» das editoras actuais. A nova literatura é, quase por definição, híbrida: abrange diversos assuntos e contextos, utiliza vários estilos e métodos... e pode ter como suportes, além do papel, a electricidade. Por isso, a nova literatura, consequência, e também causa, deste (admirável?) mundo novo das novas tecnologias da informação e da comunicação, requer novas políticas editoriais, novos editores, e, eventualmente, novas editoras.

Artigo publicado na revista Tempo, Nº 79, 2005/5/25.

quarta-feira, junho 01, 2005

Orientação: Outro artigo na revista Tempo

A edição Nº 80 da revista Tempo, publicada hoje, 1 de Junho de 2005, e disponível até 8 do mesmo mês, inclui, na sua página 25, o meu artigo «Nautas, sempre!» Comprem e leiam!

terça-feira, maio 31, 2005

Opinião: É só fumaça!

Segundo a Organização Mundial de Saúde, um terço da população mundial com mais de 15 anos - cerca de um bilião de pessoas - fuma. Três milhões de pessoas morrem por ano vitimadas por doenças causadas pelo tabaco. Dentro de 30 anos o número pode subir aos 10 milhões.
O problema é muito grave. E está por resolver. Haverá alguém hoje que duvide de que o fumador é um indivíduo perigoso? Um risco ambulante? Uma ameaça permanente à saúde pública e privada? Senão, vejamos:
- O fumador é um egoísta. Entrega-se ao seu vício sem se preocupar com o bem-estar dos não fumadores. Estes ficam com o cabelo e a roupa a cheirarem mal, o sistema respiratório afectado, o almoço estragado.
- O fumador é um cobarde. Está constantemente a dizer que vai deixar de fumar. Porém, só pensa nisso a sério quando o médico lhe diz que tem seis meses de vida.
- O fumador é um irresponsável. É um incendiário em potência, porque espalha cinzas e beatas mal apagadas por todo o lado. Não seria de admirar que o incêndio no Chiado tivesse sido provocado por um cigarro...
- O fumador é um criminoso. Os seus crimes vão desde a bronquite asmática às doenças cardiovasculares, passando pelos numerosos e variados tumores: na boca, na língua, na laringe, nos pulmões, no estômago. Como todos os criminosos, o fumador deveria ser perseguido e punido: não só provoca a sua morte (lenta) como a dos outros.
Há países onde isso já se faz. Nos Estados Unidos da América existe actualmente um novo tipo de segregação, não entre diferentes raças, mas sim entre fumadores e não fumadores. Os muitos «cancermen» e «cancerwomen» são expulsos de praticamente todos os espaços públicos, fechados e abertos. Além disso, todas as grandes companhias tabaqueiras já foram alvo de processos judiciais por parte de fumadores, dos seus familiares e até mesmo dos governos estaduais, que terminaram recentemente em acordos e indemnizações no valor de muitos milhões de dólares.
A fúria com que os americanos tratam os fumadores e as empresas de tabaco pode parecer surpreendente e excessiva. Mas tem uma explicação lógica. Durante décadas, o cigarro foi um elemento fundamental, quase omnipresente, da iconografia cultural americana. Eram poucas as grandes figuras do cinema, da televisão, da literatura, da imprensa, que não apareciam com um cigarro - ou um charuto ou um cachimbo - ao canto da boca. O cigarro era um companheiro, a marca do herói, o símbolo do verdadeiro americano. A publicidade sugeria aos filhos que oferecessem maços de cigarros aos pais nos aniversários, no Dia do Pai e no Natal. Hoje, que as consequências do tabaco são por demais conhecidas e comprovadas, muitos sentem-se enganados. Ofendidos. E querem vingança.
Em Portugal, alguns conhecidos «líderes de opinião», que são também fumadores, queixam-se de perseguição, de atentado às liberdades, até de um novo «fascismo anti-tabagista» que se aproxima... Tretas! Eles parecem esquecer-se que a liberdade de cada um tem limites, ou que acaba quando começa a prejudicar a liberdade - e, neste caso, a saúde - dos outros. Larguem o cigarro, e aí poderão esperar ser tratados como indivíduos, homens e mulheres, normais, como membros de pleno direito da raça humana. Porque não o serão enquanto deitarem fumo pela boca!

Com um pedido de desculpa aos meus amigos fumadores... mas é para o bem deles!

Hoje, 31 de Maio de 2005, celebra-se o Dia Mundial do Não Fumador.

Artigo publicado no jornal Vida Ribatejana, Nº 3934, 1997/10/1.

quarta-feira, maio 25, 2005

Orientação: Artigo na revista Tempo

A edição Nº 79 da revista Tempo, publicada hoje, 25 de Maio de 2005, e disponível até 1 de Junho, inclui, na sua página 32, o meu artigo «Por uma nova literatura». Comprem e leiam!

domingo, maio 01, 2005

Obras: "O elmo"

Há uma sala imensa imersa na escuridão
em cujo centro incide uma intensa luz.
Nele está exposto o elmo de uma armadura
que outrora pertenceu a um homem da Cruz.

É um capacete arredondado, amarelo, dourado,
e foi usado pelo mais audaz dos cavaleiros da estrada.
Muitas corridas ele disputou, muitas batalhas ele ganhou,
conduzindo o seu bólide, lançado na sua montada.

Era aos domingos que ele demonstrava a sua fé,
e ao chegar à meta fazia de cada circuito uma igreja.
Subia ao altar, erguia o troféu, bebia do cálice e orava,
celebrando uma missa depois da motorizada peleja.

Até os não crentes, como eu, se converteram,
levados pela sua coragem, que operava milagres.

No Estoril, suportando um dilúvio com afinco,
em mil novecentos e oitenta e cinco.

Em Suzuka, «e no entanto ele se move!»,
em mil novecentos e oitenta e nove.

Em Interlagos, sofrendo como mais nenhum,
em mil novecentos e noventa e um.

E no dia em que, com 34 anos, entraste para a eternidade,
ninguém quis chorar porque ninguém acreditou de imediato.
Visto do alto, o teu corpo, o teu carro, crucificado, imolado,
como um mártir prestes a ser canonizado e santificado.

Há quem diga que aquele que experimentar o teu elmo
poderá ver imagens indescritíveis nunca antes sonhadas.
Meu ídolo, meu irmão no idioma, que saudades eu tenho
de exultar com a tua arte e a tua velocidade inultrapassadas.


Ayrton Senna morreu a 1 de Maio de 1994... um domingo.
Poema (Nº 282) escrito em 2000.

segunda-feira, abril 25, 2005

Orientação: Ligações para três artigos

Em quase 20 anos já escrevi e publiquei muitos artigos de opinião sobre vários assuntos, em especial relacionados com Portugal e com os portugueses. Abaixo estão as ligações para três dos mais recentes:

De Espanha... um bom casamento!

O país é o meu, mas não a bandeira...

A República está morta!

Obras: "Abril"

Foi em Abril
que um casamento se deu.
E a felicidade foi esperada porque choveram águas mil.

Foi em Abril
que uma criança nasceu.
E a solidariedade foi dada com um nome contra uma ditadura senil.

Foi em Abril
que uma revolução viveu.
E a liberdade foi conquistada com flores num dia de festa primaveril.

Foi em Abril que tudo aconteceu.
Nada do que contaram é mentira.
Entre os idos de Março e as cantigas de Maio
a saudade os artistas inspira
e à verdade o povo aspira.


Poema (Nº 259) escrito em 1992 e incluído no meu livro «Alma Portuguesa».

sexta-feira, abril 22, 2005

Outros: Referência da Umbigo a «Visões»

A revista Umbigo, no seu Nº 10, publicado em 2004, inclui, na secção «5 Sentidos», página 18, o seguinte comentário ao meu livro:

«Visões»: é este o título do livro de Octávio dos Santos, editado pela Hugin, dentro da colecção Bibliotheca Phantastica. São textos curtos, contos e outros, com ideias desconcertantes. Do erotismo à crítica social, um conjunto de obras que fogem ao conformismo literário.
A revista Umbigo constitui um dos mais inovadores e interessantes projectos editoriais de qualidade lançados em Portugal nos últimos anos. É dirigida por Elsa Garcia e por Miguel Matos, que, tal como eu, começaram a sua carreira jornalística no... Notícias de Alverca!

sábado, abril 16, 2005

Outros: Entrevista ao Notícias de Alverca

Na sua edição Nº 127, de Fevereiro de 2004, que assinalava, aliás, o seu vigésimo aniversário, o jornal Notícias de Alverca - onde eu iniciara quase vinte anos antes, meio a sério meio a brincar, o meu percurso enquanto jornalista - publicou uma entrevista que me fizera a propósito da edição do meu livro «Visões». Dessa entrevista transcreve-se a seguir um excerto.

Em primeiro lugar, fale-me um pouco deste seu livro...

Este livro constitui o culminar de uma tentativa, com mais de vinte anos, de construção de uma carreira literária. Com os meus 13, 14 anos, comecei a escrever com regularidade, especialmente poesia... que é, creio, aquilo que quase todos nós começamos por tentar escrever. A partir de 1985 fui bater à porta das editoras, sempre sem sucesso... até 2001, ano em que recebi «luz verde» da Hugin Editores para o «Visões», tornado realidade dois anos depois. Foi muito gratificante, para mim, que tal tenha acontecido. E, neste particular, estou grato a António de Macedo, conhecido cineasta e escritor, que dirige a colecção «Bibliotheca Phantastica», onde o meu livro se insere.

Noto que escreve sobre coisas do senso comum, no fundo, acerca de factos do dia a dia de todos nós, de uma forma acutilante e directa...

Sim. Aliás, em qualquer texto que eu elabore, seja jornalístico, pois essa é a minha profissão, ou de outro tipo, a minha intenção é sempre ir directo ao assunto, não perder tempo com grandes «floreados». Se tenho uma ideia para expressar, então tento exprimi-la o mais claramente possível. Por exemplo, um dos contos do meu livro chama-se «Caminhos de ferro» e resulta, em grande parte, das experiências que venho acumulando diariamente, enquanto utente da CP, desde há muitos anos. Actualmente, temos um serviço ferroviário com algum conforto e eficiência, mas eu ainda sou do tempo em que os comboios eram absolutamente deploráveis, velhos, atrasados... E, depois, houve aquele acidente, trágico, na Póvoa de Santa Iria, em 1986, que traumatizou bastante a minha geração. Naquele comboio iam amigos meus; uns morreram; outros ficaram feridos e marcados para sempre, um dos quais o Luís Lamancha, a quem eu dedico o «Visões». Esse episódio significou um ponto de viragem em muitos aspectos, um sinal de que a tragédia nos pode acontecer a qualquer momento.

Esta obra relembra-nos, assim, o nosso quotidiano...

É... O género fantástico de que eu mais gosto é, precisamente, aquele que está mais perto do quotidiano, das coisas do dia a dia, dos afazeres normais das pessoas. Outro exemplo é o conto «A caixa negra», em que eu procuro explorar até onde podem ir os limites da burocracia, que chega a alterar, completamente, as vidas dos cidadãos. No fundo, as pessoas são, de facto, a minha grande fonte de inspiração.

E usa uma linguagem muito frontal, que, em alguns casos, poderá mesmo chocar...

A ideia também é essa. De resto, como já referi, eu sou, tento ser, frontal, não só a escrever mas em todos os aspectos da minha vida e da minha profissão, e penso que esse estilo deve ser estimulado.

Continua a ser difícil encontrar uma editora para os nossos livros?

Digamos que, hoje em dia, é mais fácil ser-se publicado. Mas, mesmo conseguindo-o, existe, posteriormente, o problema da promoção da obra. E quando não somos figuras televisivas essa dificuldade aumenta... O que não faltam, presentemente, são livros escritos por pessoas que, de uma forma ou de outra, aparecem na televisão, e que têm à partida, desde logo, outro tipo de cobertura que eu não tenho.

Os leitores portugueses continuam a «ligar» mais aos títulos estrangeiros?

Eu penso que já não é tanto assim, quer na literatura quer na música. Temos um José Saramago, um António Lobo Antunes, um Miguel Sousa Tavares, uma Margarida Rebelo Pinto... Houve, de facto, um tempo em que não se gostava mais do que era nacional, mas, agora, felizmente, isso mudou.

Este seu livro é igualmente o resultado de uma actividade jornalística continuada? Ou seja, contém uma visão jornalística dos assuntos?

Esta obra consiste numa série de contos, autónomos, aos quais procurei dar uma certa sequência, um «fio condutor». Se neles se nota um cunho jornalístico, tal não é deliberado, pois já tinha este estilo antes de ser jornalista. Embora, obviamente, a minha actividade contribua para, em tudo, procurar ser conciso, claro e buscar aquilo que é essencial.

Obras: "Caminhos de ferro"

Era o fim do dia.
O sol começava a esconder-se no horizonte e anunciava o crepúsculo, a saída dos locais de trabalho e o início do caminho de regresso a casa. As ruas enchiam-se de pessoas apressadas, que se dirigiam para os seus carros ou para os transportes públicos, para o barco, para o autocarro, para o metropolitano... e para o comboio.
Na estação ferroviária, homens e mulheres vão chegando a pouco e pouco. Alguns conseguem sentar-se nos poucos bancos, mas a maior parte tem de esperar em pé. Muitos lêem jornais e revistas, comem alguma coisa que trouxeram ou compraram, porque a hora de jantar está próxima e a fome já aperta.
Aqui e ali formam-se pequenos grupos de duas, três, quatro, cinco pessoas, amigos e conhecidos, colegas de trabalho e vizinhos, que discutem o tempo, a última jornada do campeonato de futebol, a remodelação do governo e o mais recente escândalo sexual.
Então, uma voz pelo altifalante anuncia:
- O comboio que vai dar entrada na linha número um tem paragem prevista em todas as estações e apeadeiros. Avisamos as senhoras e os senhores passageiros que não nos responsabilizamos por eventuais danos, físicos e psicológicos, que eventualmente venham a sofrer. Informamos, uma vez mais, que correm perigo de vida se entrarem neste comboio.
Este aviso, que por ser repetido sempre antes da chegada de qualquer comboio já se tornara banal e monótono, funciona também como o sinal para todos os passageiros prepararem os seus equipamentos de viagem: capacetes ou máscaras especiais de protecção facial, coletes à prova de bala e blusões reforçados, e diversas armas, como bastões, punhais e até mesmo pistolas. Um a um, todos ficam prontos.
O combóio pára na estação, e como sempre a esta hora, vem cheio. As portas abrem-se, e a grande batalha começa.
Cenas de uma violência indescritível desenrolam-se na plataforma, junto de todas as portas das carruagens. Os cidadãos comuns e pacatos transformaram-se em guerreiros sanguinários que lutarão, até à morte se for preciso, por um lugar no comboio que os leve a casa. Neste momento nada é mais importante. E por isso empurram, batem, ferem, matam. As mãos dão bofetadas e murros, brandem punhais e disparam pistolas. O pandemónio é total. Gritos de raiva e de dor rasgam a noite, enquanto o sangue se espalha e acumula no cimento do chão e nos vidros das janelas.
Finalmente, depois de dez minutos de tumulto violentíssimo, a situação começa a definir-se. Os mais fortes, ou talvez apenas os mais afortunados, conseguiram entrar no comboio e ocupar os poucos lugares que restavam. Estão exaustos, sujos, as roupas rasgadas, quase todos feridos, alguns com gravidade. Gemem e choram por causa de mais algumas fracturas e hemorragias que os seus já tão martirizados corpos vão ter de sofrer. Porém, os que entraram estão de certeza muito melhores do que os outros.
À medida que o comboio, lentamente, reinicia a sua marcha, vêem-se os cadáveres dos infelizes perdedores do dia. As janelas das carruagens são um grande ecrã onde passa um filme de terror verdadeiro. Entretanto, as brigadas de limpeza da empresa ferroviária estão já em acção, removendo os corpos e limpando e desinfectando o pavimento. Há que desocupar e preparar o espaço para a próxima carnificina, que terá ali lugar quinze minutos depois.
Todavia, não é só naquela estação. A loucura assassina ataca em cada paragem, e as imagens de violência e de morte repetem-se sucessivamente. Enquanto ainda existem lugares no comboio, são apenas as pessoas de fora que entram em luta. Mas quando já não é possível comprimir mais ninguém dentro das carruagens, quando as pessoas vão já tão apertadas que quase não é possível respirar, são estas que regressam ao combate, defendendo com ferocidade os seus poucos centímetros sagrados de espaço. Entre as carruagens sobrelotadas e as plataformas apinhadas há troca de tiros e de insultos, estes, provavelmente, em número inferior àqueles.
Depois da lotação ficar completamente esgotada, o comboio já não pára nas outras estações onde há ainda passageiros a quererem entrar, verdadeiros loucos com instintos suicidas. A próxima paragem será feita quando alguém quiser sair. E, aí, isso quererá dizer que haverá mais violência.
No comboio, um lugar é também um motivo para matar e morrer.
O interior não é um local mais seguro do que o exterior. É preciso estar sempre atento, pronto para reagir, no caso de algum ocupante que ainda não esteja imobilizado pela compressão ou pela exaustão pretender roubar, agredir ou violar. Pequenas escaramuças rebentam regularmente dentro do comboio, formas agradáveis de passar o tempo até se enfrentarem as próximas ameaças.
No comboio há sempre um perigo desconhecido que espera por si.
Seria bom que a morte só se aproximasse quando o comboio parasse. Infelizmente, ela espreita até mesmo a alta velocidade. Em determinados pontos do percurso, que os passageiros veteranos, ou seja, os sobreviventes e reincidentes, já conhecem, são sempre de esperar ataques por parte dos «Filhos do Inferno». Este é o nome que se dá às crianças marginais e delinquentes, que habitam nos bairros de lata instalados ao longo da linha, e que atacam os comboios para se divertirem. E hoje não é dia de folga para eles.
O comboio é atacado, primeiro, por uma chuva de pedras, que partem os poucos vidros que ainda restavam. Em seguida atiram garrafas em chamas, autênticos «cocktails Molotov», que semeiam o pânico entre os passageiros ainda acordados e conscientes e que se podem mover. Vários ficam em chamas antes de se conseguir atirar de volta os objectos incendiários pelas janelas, e essas tochas humanas são por sua vez atiradas lá para fora, iluminando, com os seus corpos, este normal percurso suburbano e sub-humano.
As crianças traquinas não desistem. E insistem, desta vez com metralhadoras. Os combatentes das carruagens ripostam com todas as armas que ainda dispõem, e as baixas vão aumentando de ambos os lados. Alguns «filhotes» mais ousados saltam de pontes e viadutos para o tecto das carruagens, e tentam entrar nelas aproveitando o efeito de surpresa. Sem grandes resultados: praticamente todos são repelidos e caem, sendo vários trucidados, decepados e decapitados pelas rodas do comboio.
Porém, os sobressaltos não acabaram.
A meio do percurso o comboio pára, mas não numa estação. Está-se numa terra de ninguém, um descampado, onde as luzes mais próximas estão a vários quilómetros de distância. Os passageiros receiam o pior: uma emboscada preparada por um bando de cobradores renegados, daqueles que enlouqueceram devido ao stress terrível da profissão e atacam os passageiros com os seus alicates.
Depois de alguns minutos de uma expectativa angustiada, o comboio recomeça a mover-se e entra num desvio. Os passageiros suspiram de alívio: o comboio parara simplesmente para dar passagem a outro comboio, este de mercadorias. Ninguém protesta. Afinal, prioridades são prioridades. Não há dúvidas sobre o que é mais importante.
Duas horas foram precisas para se percorrer trinta quilómetros. Um a um, o comboio dos malditos fica vazio da sua carga repelente. As carruagens imundas, agora desertas, exalam um odor insuportável a morte.
Estes caminhos são de ferro. O ferro dos carris e também o ferro das lâminas e das balas.
As pessoas, que antes de entrarem no comboio eram cidadãos bem vestidos e compostos, são agora pouco mais do que vagabundos esfarrapados, fantasmas que cambaleiam e gemem a cada passo que dão.
Habitualmente, eles arrastam-se para as suas casas logo depois de descerem. Mas hoje não. Há outra coisa que têm de fazer antes.
Em cada estação do país forma-se um cortejo de miseráveis que fazem fila até à bilheteira.
Por ser o último dia do mês, é também o dia de comprar a senha do passe.

Conto incluído no meu livro «Visões».

Outros: Prefácio de António de Macedo a «Visões»

Depois de fuzilado/ao levar/o tiro na nuca pra acabar/chateou-se/e viu-se obrigado/a explicar/ao major/que comandava o pelotão/que o tinha fuzilado/por favor/preste atenção/e não me obrigue a repetir/a repreensão/na próxima vez/que mandar matar/dê tempo ao morto/pra gritar/convicto/um último viva a revolução.
Mário-Henrique Leiria

Não é raro ouvir-se por aí que a «ficção especulativa» portuguesa não tem raízes, ou, se as tem, são tão ténues, esparsas e engastadas em terreno tão ingrato que mal servem para aguentar um pequeno arbusto, quanto mais uma árvore frondosa e ramalhuda, corcovada ao peso de suculentos frutos.
Felizmente esta visão pessimista – e acentuo o termo visão já que, no caso vertente, de Visões se trata! – esta visão pessimista, dizia eu, não tem fundamento. Existem, na tradição literária e artística portuguesa, copiosos exemplos do que nos últimos vinte ou trinta anos se convencionou chamar «ficção especulativa», curioso sintagma cunhado pelos anglófonos (speculative fiction) que abrange um vasto leque que vai da ficção científica mais «dura» (hard SF) até ao fantástico que segundo alguns especialistas não é um subgénero nem uma forma mas uma estrutura, e abrange campos tão díspares como o surrealismo, o sobrenatural, o mágico, o horror, o visionário, o conto de fadas, o grotesco, o maravilhoso, a fantasia heróica, o monstruoso, a tecnofantasia... Sim, temos na nossa tradição cultural, tanto nas letras como nas artes, exemplos de autores que navegam e navegaram pelo maravilhoso e pelo imaginário, e a existência desta colecção, «Bibliotheca Phantastica», é disso prova pela necessidade que não poucos têm sentido de conhecer o que se faz e o que se fez, em Portugal, nesse vasto território.
O que sucede, desditosamente, é que a tal visão pessimista referida acima é possível devido à voluntária ignorância em que a generalidade do nosso público se enquista no que concerne aos valores «tradicionais» da cultura portuguesa, entendendo, por um periférico e provinciano vício de tortuoso intelectualismo, que só o que é estrangeiro (francês até aos anos 60 do século XX, anglo-americano de então para cá) é que a tal visão pessimista referida acima é possível devido à voluntária ignorância em que a generalidade do nosso público se enquista no que concerne aos valores «tradicionais» da cultura portuguesa, entendendo, por um periférico e provinciano vício de tortuoso intelectualismo, que só o que é estrangeiro (francês até aos anos 60 do século xx, anglo-americano de então para cá) é que merece atenção e vale a pena saber de cor, e que das nossas raízes pouco mais se aproveita do que Camões (do qual pouco ou nada leram) e Eça de Queirós. Já os nossos escritores do século xix se queixavam que vivíamos com o embasbacado olho posto no que nos vinha lá de fora, e sobranceiramente virávamos as costas ao que de melhor se fazia por cá… Recomendo aos cépticos – e só para começar, ele há muito bom exemplo português por onde escolher! – a consulta de duas antologias que são duas admiráveis «experiências» do imaginário lusitano: A Experiência do Prodígio: Bases Teóricas e Antologia de Textos Visuais Portugueses dos Séculos XVII e XVIII (IN-CM, 1983), de Ana Hatherly, e Antologia do Conto Fantástico Português (Edições Afrodite, 2.ª ed., 1974), editada por Fernando Ribeiro de Mello, uma antologia de ficções fantásticas de 35 autores portugueses dos séculos XIXe XX, com um recomendável estudo introdutório por E. M. de Melo e Castro.
Vem tudo isto a propósito de duas ou três coisas que importa considerar: o livro Visões, que o leitor tem entre mãos, a epígrafe de Mário-Henrique Leiria que antecede este prefácio e a conversa sobre «raízes».
As Visões de Octávio dos Santos são mesmo «visões» que assumem a forma de pequenas-grandes histórias; agridem-nos por entre o horror, o extravagante, o fantástico, o satírico, o atroz e o sociológico, com muito «realismo» subliminar à mistura. O seu autor, especializado em Sociologia e Economia, e que foi – entre outras actividades – colaborador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, teve o instinto arguto de criar um fantástico psicossociológico que tira partido do «terror» da política, do trivial, do lado negro da História, da informação e do consumismo, terror a que infelizmente nos amoldámos por uma hábil anestesia que o «sistema» nos injectou, para melhor o servirmos e de nós melhor se servir. É tempo de «acordar!», grita-nos Octávio dos Santos por um altifalante com muitas bocas – as bocas todas de cada um dos seus «contos» que me fizeram irresistivelmente recordar um outro autor que também gritava através dos seus contos, nem que fosse depois de morto, «um último viva a revolução». Já sabem, estou mesmo a falar de Mário-Henrique Leiria e dos seus Contos do Gin-Tonic (1973) mais os seus Novos Contos do Gin (2.ª ed. revista, 1978). A epígrafe em forma de poemeto ao cimo deste preâmbulo é do primeiro destes dois livros, e agora sim, vou mesmo falar de «raízes», finalmente.
Isto de raízes tem muito que se lhe diga. A originalidade das Visões de Octávio dos Santos não é uma originalidade saída do vazio, ou reformulada a partir de modelos alienígenas – alienígenas, quero dizer, tanto os habituais «lá de fora» (anglo-saxónicos, de preferência…) como sobretudo os de outras galáxias, haja em vista o seu pendor para a ficção científica, confirmado pelas distinções que obteve no Prémio Literário de Ficção Científica organizado pela associação Simetria FC & F no ano 2000. Fiquemo-nos pela lusitana «galáxia», que já tem muito por onde o situar, e pelo modelo cáustico de Mário-Henrique Leiria, considerado em muitos aspectos «fundador» entre os nossos modelos de «ficção especulativa». Este, sobretudo, é um modelo muito forte e de boas raízes, e tiro o chapéu a Octávio dos Santos pela forma exímia como soube testemunhar e reerguer, bem alto, o facho (de «luz negra»?) da maratona.
Mas, atenção! Já que falamos em raízes, recordemos que o próprio Mário-Henrique Leiria tão-pouco surgiu do nada, é um continuador-inovador na corrente da «ficção visionária» portuguesa, e, com a devida licença – e indulgência – do leitor desejoso de bisbilhotar mais umas coisitas sobre estas palpitantes matérias, aproveito o ensejo para fazer um breve excurso sobre a história dessas tais «fantásticas» raízes (e só para nos cingirmos ao século que passou) donde brotaram os frutos de Mário-Henrique Leiria e de Octávio dos Santos.
Ora vejamos: nos princípios do século XX a literatura fantástica em Portugal limitou-se a prolongar o que vinha dos fins do século anterior, e que já tive ocasião de abordar em outros prefácios desta colecção dedicados precisamente a autores portugueses do século XIX.
Os dois exemplos mais flagrantes que costumam ser referidos nesse período inicial do século XX são Fernando Pessoa (1888-1935) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916).
Do primeiro podem reter-se algumas prosas de ficção como, por exemplo, «Um Jantar Muito Original» (1907), onde o fantástico se mistura com o horror do mais frio canibalismo, «A Rosa de Seda» (1915), que finge ser uma antiga fábula, e uns fragmentos da novela «Czarkresko», que deixou incompleta.
O segundo é mais propriamente um autor «negro», onde o fantástico se associa ao horror e às obsessivas preocupações com a morte, a loucura, os estados de alma tragicamente depressivos, o suicídio. Para além da sua obra-prima, A Confissão de Lúcio (1914), onde a tortura moral do protagonista e o pesadelo são levados a extremos alucinatórios, é porém na sua colectânea de novelas Céu em Fogo (1915) que o fantástico de Sá-Carneiro mais claramente se recorta, sobretudo em «A Grande Sombra» ou em «O Fixador de Instantes», e talvez mais ainda em «A Estranha Morte do Prof. Antena», considerada a primeira novela portuguesa de ficção científica.
Historiando mais um pouco, constatamos que foi somente na primeira metade do século XX que as obras de teor fantástico produzidas em Portugal começaram a libertar-se do gótico do século anterior – e para isso terá concorrido sem dúvida o advento do surrealismo entre nós, que, ao renovar o «visionário» com uma nova tónica, produziu bons frutos narrativos, além da sua expressão em poesia e em artes plásticas. São de realçar, dentro do fantástico, a obra-prima de ironia e humor de António Pedro, Apenas uma Narrativa (1942), além dos textos de Virgílio Martinho e Mário Cesariny de Vasconcelos.
Ultrapassar o real e captar os mistérios que irrompem entre o sonho e a realidade foi uma constante do fantástico de José Régio (1901-1969), um dos «grandes» da literatura portuguesa. Essa característica é flagrante no seu romance O Príncipe com Orelhas de Burro (1942) e mais ainda no livro de contos Há Mais Mundos (1963), dos quais a Profª. Maria Leonor Machado de Sousa destaca o «Conto de Natal» no seu estudo sobre O Horror na Literatura Portuguesa (ICP, 1979), referindo-se-lhe nos seguintes termos:
«É de salientar “Conto de Natal” onde há um monstro meio animal, “talvez dos princípios do mundo”, que aterroriza toda a população das serras onde vive e que, ao morrer, se transforma num ser de beleza sem igual, numa metamorfose que só a um pastorzito ingénuo é visível. Há aqui uma preocupação alegórica que Régio já exprimira em O Príncipe com Orelhas de Burro (1942), a ideia de que a perfeição não é deste mundo, o que condena à morte os seres que a obtenham. Ao tratar este tema, é completamente livre o recurso ao fantástico, que em ambos os casos chega a ser aterrador.» (pp. 81-82)
Até aos fins da década de 70 do século XX podemos considerar que se encerra um período do fantástico português caracterizado por formas sombrias, talvez ainda reminiscentes da evanescente influência do gótico do século anterior, mais do que por um apelo puro à livre imaginação; entre os exemplos mais citados, salientam-se: Branquinho da Fonseca (1905-1974) - O Barão (1942); Domingos Monteiro (1903-1980) - Histórias Castelhanas (1955) e Histórias deste Mundo e do Outro (1961); José Rodrigues Miguéis (1901-1980) - Léah e Outras Histórias (1958); Jorge de Sena (1919-1978) - O Físico Prodigioso (1977).
Exceptua-se deste «clima» o extraordinário romance de José Gomes Ferreira (1900-1985) As Aventuras de João Sem Medo (1963), a que o próprio autor chamou «panfleto mágico em forma de romance», uma obra-prima de imaginação fulgurante e um dos livros fantásticos mais espantosos, senão mesmo delirantes, da literatura portuguesa.
É então que surgem dois autores de grande relevância, dentro deste segundo período citado, e que merecem uma referência especial – dois nomes que costumam ser invocados pelos modernos autores portugueses de speculative fiction como seus «antecessores», embora as suas produções, por vezes de difícil classificação, oscilem entre o surrealismo, a ficção científica e o fantástico: são eles Mário-Henrique Leiria (1923-1980), de que já falámos um pouco, e Romeu de Melo (1933-1991). Do primeiro, além dos já citados Contos do Gin-Tonic e Novos Contos do Gin, há sobretudo que considerar Casos do Direito Galáctico (1975), uma verdadeira obra-prima, que se projecta luminosamente, como uma asa padroeira, no extraordinário conto (conto?) «Decreto Lei Nº 54» do presente livro Visões. Do segundo autor, Romeu de Melo, ficarão para a história da literatura portuguesa (ficarão? O mainstream é tão vesgo, tardonho e ferrugento…) os romances-do-absurdo AK - A Tese e o Axioma (1959), Não lhes Faremos a Vontade (1970) e A Buzina (1972).
A importância de Mário-Henrique Leiria e de Romeu de Melo como «figuras tutelares» da moderna tradição portuguesa de ficção científica e fantástico ficou bem testemunhada pela homenagem que se lhes prestou por ocasião dos 2os Encontros de Ficção Científica e Fantástico de Cascais de 1997: a antologia de contos intitulada Efeitos Secundários/Side Effects, que nesse ano a Simetria FC & F editou em versão bilingue para assinalar o evento, é antecedida, significativamente, pela seguinte dedicatória: «À memória de Romeu de Melo e Mário-Henrique Leiria, que resolveram transformar-se em luz e viajar através do tempo e do espaço rumo ao coração da galáxia.»
Nas duas últimas décadas do século XX, sobretudo, e nestes inícios do século XXI, o Fantástico português desenvolveu-se e expandiu-se duma forma quase explosiva, fenómeno de certo modo associado ao desenvolvimento e expansão da ficção científica criada em Portugal, bem como à influência da permanente transfiguração das mentalidades a que assistimos todos os dias, com o recurso às novas «magias» possibilitadas pela utilização desenfreada dos computadores, da Internet, dos «efeitos especiais» nos meios audiovisuais…
Enfim, tanto haveria a dizer sobre este explosivo e inesgotável tema que prefiro quedar-me por aqui; a história da «ficção especulativa» portuguesa está viva, frondeja e os seus frutos são cada vez mais saborosos e sumarentos… O leitor que o ajuíze por si, deliciando-se – ou saudavelmente «horrificando-se»! – a ler as páginas que se seguem, e fazendo bem, talvez, em meditar seriamente nos signos, nas cifras e nas passwords que as Visões de Octávio dos Santos nos oferecem «como maçãs de ouro em bandeja de prata».

ANTÓNIO DE MACEDO