segunda-feira, junho 27, 2005

Organização: «Espíritos...» registado na IGAC

Após quinze anos de reflexão, dois de preparação e cinco meses de redacção – iniciada a 22 de Janeiro e terminada a 21 de Junho de 2005 – requeri hoje, 27 de Junho, na sede da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, situada no Palácio Foz, em Lisboa, o registo da minha nova obra literária. O seu título é «Espíritos das Luzes».
Na folha do requerimento descrevo este meu livro – que deu entrada na IGAC sob o número 5128/05 - como sendo uma «obra de ficção em prosa, próxima do género romance; fantasia baseada em factos e figuras reais da história portuguesa, mais concretamente do século XVIII.»
O ano de 2005 é, vai ser, foi, um ano marcado, entre outras, por importantes efemérides relacionadas com factos e figuras históricas do século XVIII em Portugal: os 250 anos do Terramoto de Lisboa; os 200 anos das mortes de Manuel Maria Barbosa du Bocage e do pintor Francisco Vieira, o Portuense (nascido, tal como o poeta de Setúbal, em 1765!); os 275 anos do nascimento de Manuel de Figueiredo e os 300 anos dos nascimentos de António José da Silva e de Matias Aires (escritores); os 300 anos da morte de Catarina de Bragança; os 250 anos da restituição da liberdade aos índios do Brasil (acompanhada da concessão de privilégios a portugueses que casassem com índios, para o fomento do povoamento do território); os 250 anos da inauguração da Ópera do Tejo (destruída, meses depois, no terramoto).
Tendo-me apercebido deste facto, decidi antecipar a concretização de um projecto que concebi há já muitos anos: um livro que de certa forma «mistura» o ambiente do Portugal setecentista com um cenário de ficção científica – duas das minhas grandes «paixões». Embora seja, à partida, uma obra de ficção, um romance (?), uma fantasia, «Espíritos das Luzes» assenta, contudo, na presença de personagens reais, cujas falas serão na sua totalidade, ou quase, as suas próprias palavras, tal como as escreveram e deixaram nos seus livros, discursos, cartas e outros documentos. Assim, e além de Bocage, que é, inevitavelmente, um dos «protagonistas» principais, outros nomes incontornáveis daquela época que fazem igualmente a sua «aparição» incluem: o Marquês de Pombal; a Rainha D. Maria I; o intendente Pina Manique; a Marquesa de Alorna; Luísa Todi; Leonor Pimentel; o Cavaleiro de Oliveira; Luís António Verney; António Ribeiro Sanches; Filinto Elísio; Nicolau Tolentino; Manuel da Maia; Vieira Portuense. Isto quanto a portugueses; quanto aos estrangeiros, apesar de menos, eles estão (bem) representados por William Beckford (outro dos principais protagonistas), Voltaire, Kant... e um certo marquês francês...
Todos eles foram nomes de destaque do chamado «Século das Luzes», mas nem todos foram exactamente contemporâneos e nem todos chegaram de facto a encontrar-se e a dialogar. Mas porque, precisamente, a ideia inicial, o objectivo principal, é recordar e homenagear – e invocar – esses nomes, pareceu-me sempre uma solução acertada imaginar uma realidade alternativa, um «universo paralelo», um mesmo «tempo» e um mesmo lugar – Lisboa, claro, mas uma Lisboa diferente - onde todos eles pudessem coexistir e interagir. O meu livro é, pois, um trabalho híbrido, parte ficção – o contexto e o enredo que eu criei – e parte realidade – as palavras que eles escreveram há mais de dois séculos. A própria impressão do livro deve reflectir esse carácter híbrido, misto, utilizando dois tipos de letra, um para cada nível de leitura.
«Espíritos das Luzes» espera, agora, uma editora que se disponha a publicá-lo e a promovê-lo… e a lançá-lo, de preferência e se possível, no dia 1 de Novembro próximo.

sexta-feira, junho 10, 2005

Opinião: Nautas, sempre!

«Vês aqui a grande máquina do Mundo/etérea e elemental, que fabricada/assi foi do Saber alto e profundo/que é sem princípio e meta limitada./Quem cerca em derredor este rotundo/globo e sua superfície tão limada/é Deus; mas o que é Deus ninguém o entende/que a tanto o engenho humano não se estende.»
Luís de Camões, «Os Lusíadas», Canto X, 80-87

«Armada intérmina surgindo/sobre ondas de uma visão estranha/do que por haver ou do que é vindo –/e o mesmo: venha!/Vós não soubeste o que havia no fundo incógnito da raça/nem como a Mão, que tudo guia/seus planos traça.»
Fernando Pessoa, «Quinto Império» (excerto)

Há, como se sabe, uma analogia entre o mar e o ciberespaço, comprovada pela utilização constante de termos náuticos – «navegar», «surfar», «explorar» - quando se fala da rede informática mundial. Porém, se esta analogia não tem um significado especial para outros países e povos, tal não é o caso para Portugal e para os portugueses.
É precisamente essa identificação, essa integração de símbolos do passado com símbolos do presente - que é já futuro em muitos casos - que pode contribuir decisivamente, como forte incentivo, para o nosso progresso, desenvolvimento e até mesmo - porque não? - supremacia no domínio das novas tecnologias da informação e da comunicação. Esta convicção é partilhada por muitas pessoas, e, ao longo destes últimos anos, fizeram-se inúmeras declarações em que a construção da Sociedade da Informação é apresentada quase como sendo uns «Novos Descobrimentos». Uma das primeiras personalidades a destacar-se nesse sentido foi José Mariano Gago - veja-se, por exemplo, a sua introdução ao Livro Verde da Sociedade da Informação, de 1997.
Três exemplos - e provas - de um «retomar electrónico» do imaginário quinhentista foram dados por três pioneiras e importantes iniciativas nacionais no âmbito da utilização das novas tecnologias: o Nónio - Século XXI, do Ministério da Educação; o Terràvista, lançado pelo Ministério da Cultura (mas entretanto já «privatizado», vendido e suspenso); e o REDEScoberta 2000, liderado pela Associação (de Língua Portuguesa) para o Desenvolvimento do Teletrabalho.
O primeiro projecto foi buscar o seu nome ao «instrumento de medida de grande precisão» criado pelo «grande matemático, geógrafo e pedagogo» português do século XVI Pedro Nunes; tal como o Nónio, também as TIC são um símbolo e «instrumentos de rigor e de conhecimento - não são fins em si mesmas.»
O segundo, estruturado em torno de «praias», «portos», «faróis», «estaleiros», «marujos» e «marujas», foi apresentado e justificado deste modo: «Os portugueses e, com eles, a sua língua e cultura, foram um dos primeiros povos globais do planeta, numa teia de influências recíprocas com quase 600 anos de construção. A “glocalidade” da rede é uma reprodução da “glocalidade” de uma cultura como a portuguesa, presente nos quatro cantos do Mundo. O movimento é o mesmo dos Descobrimentos: Portugal “glocal”. Hoje, na Internet, o imaginário da navegação e da exploração domina. Fala-se da fronteira electrónica, do território por mapear, de surfar e navegar na rede. Por todo o lado nascem portos seguros, ancoradouros e ilhas. Locais onde um grupo de utilizadores se acaba por fixar, que acaba por frequentar. 200 milhões de falantes da língua portuguesa: uma comunidade lusófona dispersa pela geografia, que a tecnologia pode contribuir para reunir; uma comunidade virtual global dinâmica e em crescimento. É preciso criar uma dinâmica de presença crescente da lusofonia na Internet.»
O terceiro projecto referido, cujo objectivo é desenvolver o teletrabalho junto dos cidadãos dos países de língua oficial portuguesa, representa para os seus organizadores «uma oportunidade histórica de fazer avançar a nau portuguesa pelas águas bravias do ciberespaço, redescobrindo territórios para o trabalho em rede e alargando as fronteiras da identidade linguística.»
Como se vê, os portugueses continuaram a ser «nautas». Antes, foram «argonautas» quando, na época dos Descobrimentos, partiram de Portugal e navegaram pelo Atlântico, pelo Índico, pelo Pacífico... Agora, na época da Sociedade da Informação, são «cibernautas». Em casa, na escola ou no trabalho buscam no seu computador, não o caminho marítimo, mas o caminho electrónico para a Índia… e para todos os outros países do Mundo.
Portugal foi uma nação dominante no Mundo quando a oralidade era a forma dominante de expressão e conservação de conhecimentos. A oralidade pressupõe uma vontade comum, um esforço colectivo, uma maior interligação entre as pessoas, um maior sentido de vida e actividade comunitárias. Com o advento da cultura escrita, pela invenção e generalização da imprensa, o saber tornou-se individualizado, perdeu o seu carácter colectivo, tornou-se quase uma questão íntima, embora com consequências sociais. Originou outro tipo de cultura, que é também uma outra atitude, outra maneira de ser e de estar. Que não é a de Portugal e dos portugueses.
A era da Internet é também a era de uma nova oralidade, ou, dizendo melhor, de uma «cultura visual», multimédia, cujos pressupostos e características, em especial a constituição de comunidades virtuais/reais, se assemelham bastante aos da antiga oralidade. Portugal e os portugueses, pelos exemplos qualitativos que têm dado, de apetência e de adaptação a esta nova era, poderão triunfar de novo. A Internet pode ser, de certa forma, a concretização do sonho e da profecia do Quinto Império, da Idade do Espírito Santo, tantas vezes anunciada e descrita por homens como António Vieira e Agostinho da Silva. A Rede, resultado de uma multiplicidade de espaços atravessados em todos os sentidos e em todos os momentos por quantidades de conhecimentos praticamente incomensuráveis, parece ter qualquer coisa de místico, de divino. Algo que os portugueses talvez estejam em condições de interpretar, compreender e utilizar plenamente.

Artigo publicado na revista Tempo, Nº 80, 2005/6/1.

sexta-feira, junho 03, 2005

Orientação: Artigo no jornal Notícias de Alverca

A edição Nº 210 do jornal Notícias de Alverca, publicada hoje, 3 de Junho de 2005, e disponível até 8 de Julho, inclui, na sua página 6, o meu artigo «Um desejo chamado Tejo». Comprem e leiam!

quinta-feira, junho 02, 2005

Opinião: Por uma nova literatura

Um dos maiores problemas, se não o maior, da actividade literária e livreira em Portugal está em ainda não se considerar devidamente o livro como um produto, e, logo, como algo sujeito às regras do mercado. Modificar o modo como se encara e se trabalha o sector implica melhorar a fase final do processo, isto é, a distribuição e a promoção, mas não só: são necessárias transformações na própria escrita, nos objectivos e nas técnicas de elaboração de um livro.
Com o advento das novas tecnologias da informação e da comunicação, do desenvolvimento do computador, dos sistemas multimédia, da Internet, do e-book, muitas foram as vozes a profetizarem o desaparecimento do livro, ou, pelo menos, a sua inevitável subalternização. É quase impossível que isso aconteça: a História ensina-nos que, normalmente, nenhum novo meio de comunicação ou de expressão artística elimina o antecedente; o cinema não acabou com o teatro, a televisão não acabou com o cinema nem com a rádio, esta não acabou com os jornais; e o livro na sua «forma em carbono» tem uma autonomia e uma durabilidade que a sua «versão electrónica» (ainda) não tem.
A invenção e o desenvolvimento da imprensa permitiram a expansão da boa literatura, mas também o alastramento de vários tipos de lixo literário. Antes, quando um livro era um bem raro e precioso, havia um cuidado muito maior com aquilo que se escrevia. Todos os livros, ou quase, eram também grandes livros, pela dimensão, pela valia artística intrínseca, ou ambas. Aliás, não é por acaso que quanto mais se avança no tempo menos existem livros importantes, obras de referência, clássicos indiscutíveis e de especial significado para uma ou mais gerações.
Actualmente, os livros tendem a submeter-se à realidade em vez de a tentarem dominar – e isto acontece principalmente na ficção. Muitos escritores parecem fazer várias vezes o mesmo livro em lugar de fazerem livros diferentes. A poesia, em particular, só é reconhecida e publicada pelos «entendidos» se for complexa, hermética, ilegível; um «verdadeiro» poeta quase que tem de criar uma nova linguagem de cada vez que escreve um livro, em vez de tentar transmitir as suas ideias e sentimentos, de uma forma clara e simples, ao maior número possível de pessoas - os que fazem isso só escrevem «lugares comuns».
Neste momento, no século XXI, não há lugar para muitos (ou mesmo todos) dos «ismos» que têm marcado e dominado a história da literatura. Romantismo, realismo, neo-realismo, naturalismo, surrealismo, existencialismo, modernismo, pós-modernismo, já não são suficientes para reflectir as novas realidades e actuar sobre elas. A escolher um nome, um «ismo» para uma nova corrente literária, adaptada aos novos tempos e às suas características, ele só poderia ser um: «sintetismo». Porque os livros têm que incidir sinteticamente sobre o que é essencial.
A literatura deveria contribuir para a procura, para a construção de uma unidade, de um equilíbrio, de uma síntese, não só da própria obra mas também das pessoas às quais ela se destina. Ao invés, grande parte da literatura deste século é caracterizada pela fragmentação, pela dispersão, pela confusão artística e mental. Este estado de coisas é o resultado do mal estar característico do século passado, pródigo em atrocidades de toda a espécie, mas também, mais subtilmente e também por causa disso, do domínio e da influência que a psiquiatria, a psicologia, a psicanálise e todas as correntes e subespécies que delas derivaram têm exercido na sociedade e na cultura. O «psi» na literatura privilegia a desarticulação das ideias e das frases, a exposição das fraquezas e dos traumas, aspectos que as duas guerras mundiais só vieram agravar. A literatura teria necessariamente que se ressentir do (mau) ambiente que a rodeava. A fragmentação é, no entanto, uma característica inexorável da literatura, tanto da antiga como da nova. A diferença está em considerá-la ou como ponto de partida ou como ponto de chegada. Na nova literatura ela é, deve ser, sempre um ponto de partida para algo mais completo e superior - um sentido último, uma mensagem derradeira, um sentimento dominante, uma imagem de síntese.
Escrever na «Era da Internet» – e, muitas vezes, para a Internet – implica uma certa disciplina. Mas é a obra, o livro, que é mais importante, e não o autor. Tem que ser útil, relevante, no seu tema e/ou na maneira como o trata. O livro deve ser escrito, construído, trabalhado, fortalecido de uma maneira tal que possa sobreviver no futuro sem ser preciso recorrer à fama ou ao talento da pessoa que o criou. Todos os livros devem constituir como que unidades independentes, ou pelo menos autónomas; devem constituir como que «organismos vivos»; devem conquistar os públicos por si próprios; devem, na medida do possível, fornecer respostas, soluções, exemplos, modelos de conduta, para muitos problemas e situações. A nova literatura, a verdadeira literatura, deve ser uma força ao serviço da ordem e contra o caos, ao serviço da vida e contra a morte.
Os livros construídos deste modo, apesar de coerentes e equilibrados interiormente, dificilmente serão enquadráveis, integráveis em categorias e colecções «normais» das editoras actuais. A nova literatura é, quase por definição, híbrida: abrange diversos assuntos e contextos, utiliza vários estilos e métodos... e pode ter como suportes, além do papel, a electricidade. Por isso, a nova literatura, consequência, e também causa, deste (admirável?) mundo novo das novas tecnologias da informação e da comunicação, requer novas políticas editoriais, novos editores, e, eventualmente, novas editoras.

Artigo publicado na revista Tempo, Nº 79, 2005/5/25.

quarta-feira, junho 01, 2005

Orientação: Outro artigo na revista Tempo

A edição Nº 80 da revista Tempo, publicada hoje, 1 de Junho de 2005, e disponível até 8 do mesmo mês, inclui, na sua página 25, o meu artigo «Nautas, sempre!» Comprem e leiam!