segunda-feira, abril 25, 2005

Orientação: Ligações para três artigos

Em quase 20 anos já escrevi e publiquei muitos artigos de opinião sobre vários assuntos, em especial relacionados com Portugal e com os portugueses. Abaixo estão as ligações para três dos mais recentes:

De Espanha... um bom casamento!

O país é o meu, mas não a bandeira...

A República está morta!

Obras: "Abril"

Foi em Abril
que um casamento se deu.
E a felicidade foi esperada porque choveram águas mil.

Foi em Abril
que uma criança nasceu.
E a solidariedade foi dada com um nome contra uma ditadura senil.

Foi em Abril
que uma revolução viveu.
E a liberdade foi conquistada com flores num dia de festa primaveril.

Foi em Abril que tudo aconteceu.
Nada do que contaram é mentira.
Entre os idos de Março e as cantigas de Maio
a saudade os artistas inspira
e à verdade o povo aspira.


Poema (Nº 259) escrito em 1992 e incluído no meu livro «Alma Portuguesa».

sexta-feira, abril 22, 2005

Outros: Referência da Umbigo a «Visões»

A revista Umbigo, no seu Nº 10, publicado em 2004, inclui, na secção «5 Sentidos», página 18, o seguinte comentário ao meu livro:

«Visões»: é este o título do livro de Octávio dos Santos, editado pela Hugin, dentro da colecção Bibliotheca Phantastica. São textos curtos, contos e outros, com ideias desconcertantes. Do erotismo à crítica social, um conjunto de obras que fogem ao conformismo literário.
A revista Umbigo constitui um dos mais inovadores e interessantes projectos editoriais de qualidade lançados em Portugal nos últimos anos. É dirigida por Elsa Garcia e por Miguel Matos, que, tal como eu, começaram a sua carreira jornalística no... Notícias de Alverca!

sábado, abril 16, 2005

Outros: Entrevista ao Notícias de Alverca

Na sua edição Nº 127, de Fevereiro de 2004, que assinalava, aliás, o seu vigésimo aniversário, o jornal Notícias de Alverca - onde eu iniciara quase vinte anos antes, meio a sério meio a brincar, o meu percurso enquanto jornalista - publicou uma entrevista que me fizera a propósito da edição do meu livro «Visões». Dessa entrevista transcreve-se a seguir um excerto.

Em primeiro lugar, fale-me um pouco deste seu livro...

Este livro constitui o culminar de uma tentativa, com mais de vinte anos, de construção de uma carreira literária. Com os meus 13, 14 anos, comecei a escrever com regularidade, especialmente poesia... que é, creio, aquilo que quase todos nós começamos por tentar escrever. A partir de 1985 fui bater à porta das editoras, sempre sem sucesso... até 2001, ano em que recebi «luz verde» da Hugin Editores para o «Visões», tornado realidade dois anos depois. Foi muito gratificante, para mim, que tal tenha acontecido. E, neste particular, estou grato a António de Macedo, conhecido cineasta e escritor, que dirige a colecção «Bibliotheca Phantastica», onde o meu livro se insere.

Noto que escreve sobre coisas do senso comum, no fundo, acerca de factos do dia a dia de todos nós, de uma forma acutilante e directa...

Sim. Aliás, em qualquer texto que eu elabore, seja jornalístico, pois essa é a minha profissão, ou de outro tipo, a minha intenção é sempre ir directo ao assunto, não perder tempo com grandes «floreados». Se tenho uma ideia para expressar, então tento exprimi-la o mais claramente possível. Por exemplo, um dos contos do meu livro chama-se «Caminhos de ferro» e resulta, em grande parte, das experiências que venho acumulando diariamente, enquanto utente da CP, desde há muitos anos. Actualmente, temos um serviço ferroviário com algum conforto e eficiência, mas eu ainda sou do tempo em que os comboios eram absolutamente deploráveis, velhos, atrasados... E, depois, houve aquele acidente, trágico, na Póvoa de Santa Iria, em 1986, que traumatizou bastante a minha geração. Naquele comboio iam amigos meus; uns morreram; outros ficaram feridos e marcados para sempre, um dos quais o Luís Lamancha, a quem eu dedico o «Visões». Esse episódio significou um ponto de viragem em muitos aspectos, um sinal de que a tragédia nos pode acontecer a qualquer momento.

Esta obra relembra-nos, assim, o nosso quotidiano...

É... O género fantástico de que eu mais gosto é, precisamente, aquele que está mais perto do quotidiano, das coisas do dia a dia, dos afazeres normais das pessoas. Outro exemplo é o conto «A caixa negra», em que eu procuro explorar até onde podem ir os limites da burocracia, que chega a alterar, completamente, as vidas dos cidadãos. No fundo, as pessoas são, de facto, a minha grande fonte de inspiração.

E usa uma linguagem muito frontal, que, em alguns casos, poderá mesmo chocar...

A ideia também é essa. De resto, como já referi, eu sou, tento ser, frontal, não só a escrever mas em todos os aspectos da minha vida e da minha profissão, e penso que esse estilo deve ser estimulado.

Continua a ser difícil encontrar uma editora para os nossos livros?

Digamos que, hoje em dia, é mais fácil ser-se publicado. Mas, mesmo conseguindo-o, existe, posteriormente, o problema da promoção da obra. E quando não somos figuras televisivas essa dificuldade aumenta... O que não faltam, presentemente, são livros escritos por pessoas que, de uma forma ou de outra, aparecem na televisão, e que têm à partida, desde logo, outro tipo de cobertura que eu não tenho.

Os leitores portugueses continuam a «ligar» mais aos títulos estrangeiros?

Eu penso que já não é tanto assim, quer na literatura quer na música. Temos um José Saramago, um António Lobo Antunes, um Miguel Sousa Tavares, uma Margarida Rebelo Pinto... Houve, de facto, um tempo em que não se gostava mais do que era nacional, mas, agora, felizmente, isso mudou.

Este seu livro é igualmente o resultado de uma actividade jornalística continuada? Ou seja, contém uma visão jornalística dos assuntos?

Esta obra consiste numa série de contos, autónomos, aos quais procurei dar uma certa sequência, um «fio condutor». Se neles se nota um cunho jornalístico, tal não é deliberado, pois já tinha este estilo antes de ser jornalista. Embora, obviamente, a minha actividade contribua para, em tudo, procurar ser conciso, claro e buscar aquilo que é essencial.

Obras: "Caminhos de ferro"

Era o fim do dia.
O sol começava a esconder-se no horizonte e anunciava o crepúsculo, a saída dos locais de trabalho e o início do caminho de regresso a casa. As ruas enchiam-se de pessoas apressadas, que se dirigiam para os seus carros ou para os transportes públicos, para o barco, para o autocarro, para o metropolitano... e para o comboio.
Na estação ferroviária, homens e mulheres vão chegando a pouco e pouco. Alguns conseguem sentar-se nos poucos bancos, mas a maior parte tem de esperar em pé. Muitos lêem jornais e revistas, comem alguma coisa que trouxeram ou compraram, porque a hora de jantar está próxima e a fome já aperta.
Aqui e ali formam-se pequenos grupos de duas, três, quatro, cinco pessoas, amigos e conhecidos, colegas de trabalho e vizinhos, que discutem o tempo, a última jornada do campeonato de futebol, a remodelação do governo e o mais recente escândalo sexual.
Então, uma voz pelo altifalante anuncia:
- O comboio que vai dar entrada na linha número um tem paragem prevista em todas as estações e apeadeiros. Avisamos as senhoras e os senhores passageiros que não nos responsabilizamos por eventuais danos, físicos e psicológicos, que eventualmente venham a sofrer. Informamos, uma vez mais, que correm perigo de vida se entrarem neste comboio.
Este aviso, que por ser repetido sempre antes da chegada de qualquer comboio já se tornara banal e monótono, funciona também como o sinal para todos os passageiros prepararem os seus equipamentos de viagem: capacetes ou máscaras especiais de protecção facial, coletes à prova de bala e blusões reforçados, e diversas armas, como bastões, punhais e até mesmo pistolas. Um a um, todos ficam prontos.
O combóio pára na estação, e como sempre a esta hora, vem cheio. As portas abrem-se, e a grande batalha começa.
Cenas de uma violência indescritível desenrolam-se na plataforma, junto de todas as portas das carruagens. Os cidadãos comuns e pacatos transformaram-se em guerreiros sanguinários que lutarão, até à morte se for preciso, por um lugar no comboio que os leve a casa. Neste momento nada é mais importante. E por isso empurram, batem, ferem, matam. As mãos dão bofetadas e murros, brandem punhais e disparam pistolas. O pandemónio é total. Gritos de raiva e de dor rasgam a noite, enquanto o sangue se espalha e acumula no cimento do chão e nos vidros das janelas.
Finalmente, depois de dez minutos de tumulto violentíssimo, a situação começa a definir-se. Os mais fortes, ou talvez apenas os mais afortunados, conseguiram entrar no comboio e ocupar os poucos lugares que restavam. Estão exaustos, sujos, as roupas rasgadas, quase todos feridos, alguns com gravidade. Gemem e choram por causa de mais algumas fracturas e hemorragias que os seus já tão martirizados corpos vão ter de sofrer. Porém, os que entraram estão de certeza muito melhores do que os outros.
À medida que o comboio, lentamente, reinicia a sua marcha, vêem-se os cadáveres dos infelizes perdedores do dia. As janelas das carruagens são um grande ecrã onde passa um filme de terror verdadeiro. Entretanto, as brigadas de limpeza da empresa ferroviária estão já em acção, removendo os corpos e limpando e desinfectando o pavimento. Há que desocupar e preparar o espaço para a próxima carnificina, que terá ali lugar quinze minutos depois.
Todavia, não é só naquela estação. A loucura assassina ataca em cada paragem, e as imagens de violência e de morte repetem-se sucessivamente. Enquanto ainda existem lugares no comboio, são apenas as pessoas de fora que entram em luta. Mas quando já não é possível comprimir mais ninguém dentro das carruagens, quando as pessoas vão já tão apertadas que quase não é possível respirar, são estas que regressam ao combate, defendendo com ferocidade os seus poucos centímetros sagrados de espaço. Entre as carruagens sobrelotadas e as plataformas apinhadas há troca de tiros e de insultos, estes, provavelmente, em número inferior àqueles.
Depois da lotação ficar completamente esgotada, o comboio já não pára nas outras estações onde há ainda passageiros a quererem entrar, verdadeiros loucos com instintos suicidas. A próxima paragem será feita quando alguém quiser sair. E, aí, isso quererá dizer que haverá mais violência.
No comboio, um lugar é também um motivo para matar e morrer.
O interior não é um local mais seguro do que o exterior. É preciso estar sempre atento, pronto para reagir, no caso de algum ocupante que ainda não esteja imobilizado pela compressão ou pela exaustão pretender roubar, agredir ou violar. Pequenas escaramuças rebentam regularmente dentro do comboio, formas agradáveis de passar o tempo até se enfrentarem as próximas ameaças.
No comboio há sempre um perigo desconhecido que espera por si.
Seria bom que a morte só se aproximasse quando o comboio parasse. Infelizmente, ela espreita até mesmo a alta velocidade. Em determinados pontos do percurso, que os passageiros veteranos, ou seja, os sobreviventes e reincidentes, já conhecem, são sempre de esperar ataques por parte dos «Filhos do Inferno». Este é o nome que se dá às crianças marginais e delinquentes, que habitam nos bairros de lata instalados ao longo da linha, e que atacam os comboios para se divertirem. E hoje não é dia de folga para eles.
O comboio é atacado, primeiro, por uma chuva de pedras, que partem os poucos vidros que ainda restavam. Em seguida atiram garrafas em chamas, autênticos «cocktails Molotov», que semeiam o pânico entre os passageiros ainda acordados e conscientes e que se podem mover. Vários ficam em chamas antes de se conseguir atirar de volta os objectos incendiários pelas janelas, e essas tochas humanas são por sua vez atiradas lá para fora, iluminando, com os seus corpos, este normal percurso suburbano e sub-humano.
As crianças traquinas não desistem. E insistem, desta vez com metralhadoras. Os combatentes das carruagens ripostam com todas as armas que ainda dispõem, e as baixas vão aumentando de ambos os lados. Alguns «filhotes» mais ousados saltam de pontes e viadutos para o tecto das carruagens, e tentam entrar nelas aproveitando o efeito de surpresa. Sem grandes resultados: praticamente todos são repelidos e caem, sendo vários trucidados, decepados e decapitados pelas rodas do comboio.
Porém, os sobressaltos não acabaram.
A meio do percurso o comboio pára, mas não numa estação. Está-se numa terra de ninguém, um descampado, onde as luzes mais próximas estão a vários quilómetros de distância. Os passageiros receiam o pior: uma emboscada preparada por um bando de cobradores renegados, daqueles que enlouqueceram devido ao stress terrível da profissão e atacam os passageiros com os seus alicates.
Depois de alguns minutos de uma expectativa angustiada, o comboio recomeça a mover-se e entra num desvio. Os passageiros suspiram de alívio: o comboio parara simplesmente para dar passagem a outro comboio, este de mercadorias. Ninguém protesta. Afinal, prioridades são prioridades. Não há dúvidas sobre o que é mais importante.
Duas horas foram precisas para se percorrer trinta quilómetros. Um a um, o comboio dos malditos fica vazio da sua carga repelente. As carruagens imundas, agora desertas, exalam um odor insuportável a morte.
Estes caminhos são de ferro. O ferro dos carris e também o ferro das lâminas e das balas.
As pessoas, que antes de entrarem no comboio eram cidadãos bem vestidos e compostos, são agora pouco mais do que vagabundos esfarrapados, fantasmas que cambaleiam e gemem a cada passo que dão.
Habitualmente, eles arrastam-se para as suas casas logo depois de descerem. Mas hoje não. Há outra coisa que têm de fazer antes.
Em cada estação do país forma-se um cortejo de miseráveis que fazem fila até à bilheteira.
Por ser o último dia do mês, é também o dia de comprar a senha do passe.

Conto incluído no meu livro «Visões».

Outros: Prefácio de António de Macedo a «Visões»

Depois de fuzilado/ao levar/o tiro na nuca pra acabar/chateou-se/e viu-se obrigado/a explicar/ao major/que comandava o pelotão/que o tinha fuzilado/por favor/preste atenção/e não me obrigue a repetir/a repreensão/na próxima vez/que mandar matar/dê tempo ao morto/pra gritar/convicto/um último viva a revolução.
Mário-Henrique Leiria

Não é raro ouvir-se por aí que a «ficção especulativa» portuguesa não tem raízes, ou, se as tem, são tão ténues, esparsas e engastadas em terreno tão ingrato que mal servem para aguentar um pequeno arbusto, quanto mais uma árvore frondosa e ramalhuda, corcovada ao peso de suculentos frutos.
Felizmente esta visão pessimista – e acentuo o termo visão já que, no caso vertente, de Visões se trata! – esta visão pessimista, dizia eu, não tem fundamento. Existem, na tradição literária e artística portuguesa, copiosos exemplos do que nos últimos vinte ou trinta anos se convencionou chamar «ficção especulativa», curioso sintagma cunhado pelos anglófonos (speculative fiction) que abrange um vasto leque que vai da ficção científica mais «dura» (hard SF) até ao fantástico que segundo alguns especialistas não é um subgénero nem uma forma mas uma estrutura, e abrange campos tão díspares como o surrealismo, o sobrenatural, o mágico, o horror, o visionário, o conto de fadas, o grotesco, o maravilhoso, a fantasia heróica, o monstruoso, a tecnofantasia... Sim, temos na nossa tradição cultural, tanto nas letras como nas artes, exemplos de autores que navegam e navegaram pelo maravilhoso e pelo imaginário, e a existência desta colecção, «Bibliotheca Phantastica», é disso prova pela necessidade que não poucos têm sentido de conhecer o que se faz e o que se fez, em Portugal, nesse vasto território.
O que sucede, desditosamente, é que a tal visão pessimista referida acima é possível devido à voluntária ignorância em que a generalidade do nosso público se enquista no que concerne aos valores «tradicionais» da cultura portuguesa, entendendo, por um periférico e provinciano vício de tortuoso intelectualismo, que só o que é estrangeiro (francês até aos anos 60 do século XX, anglo-americano de então para cá) é que a tal visão pessimista referida acima é possível devido à voluntária ignorância em que a generalidade do nosso público se enquista no que concerne aos valores «tradicionais» da cultura portuguesa, entendendo, por um periférico e provinciano vício de tortuoso intelectualismo, que só o que é estrangeiro (francês até aos anos 60 do século xx, anglo-americano de então para cá) é que merece atenção e vale a pena saber de cor, e que das nossas raízes pouco mais se aproveita do que Camões (do qual pouco ou nada leram) e Eça de Queirós. Já os nossos escritores do século xix se queixavam que vivíamos com o embasbacado olho posto no que nos vinha lá de fora, e sobranceiramente virávamos as costas ao que de melhor se fazia por cá… Recomendo aos cépticos – e só para começar, ele há muito bom exemplo português por onde escolher! – a consulta de duas antologias que são duas admiráveis «experiências» do imaginário lusitano: A Experiência do Prodígio: Bases Teóricas e Antologia de Textos Visuais Portugueses dos Séculos XVII e XVIII (IN-CM, 1983), de Ana Hatherly, e Antologia do Conto Fantástico Português (Edições Afrodite, 2.ª ed., 1974), editada por Fernando Ribeiro de Mello, uma antologia de ficções fantásticas de 35 autores portugueses dos séculos XIXe XX, com um recomendável estudo introdutório por E. M. de Melo e Castro.
Vem tudo isto a propósito de duas ou três coisas que importa considerar: o livro Visões, que o leitor tem entre mãos, a epígrafe de Mário-Henrique Leiria que antecede este prefácio e a conversa sobre «raízes».
As Visões de Octávio dos Santos são mesmo «visões» que assumem a forma de pequenas-grandes histórias; agridem-nos por entre o horror, o extravagante, o fantástico, o satírico, o atroz e o sociológico, com muito «realismo» subliminar à mistura. O seu autor, especializado em Sociologia e Economia, e que foi – entre outras actividades – colaborador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, teve o instinto arguto de criar um fantástico psicossociológico que tira partido do «terror» da política, do trivial, do lado negro da História, da informação e do consumismo, terror a que infelizmente nos amoldámos por uma hábil anestesia que o «sistema» nos injectou, para melhor o servirmos e de nós melhor se servir. É tempo de «acordar!», grita-nos Octávio dos Santos por um altifalante com muitas bocas – as bocas todas de cada um dos seus «contos» que me fizeram irresistivelmente recordar um outro autor que também gritava através dos seus contos, nem que fosse depois de morto, «um último viva a revolução». Já sabem, estou mesmo a falar de Mário-Henrique Leiria e dos seus Contos do Gin-Tonic (1973) mais os seus Novos Contos do Gin (2.ª ed. revista, 1978). A epígrafe em forma de poemeto ao cimo deste preâmbulo é do primeiro destes dois livros, e agora sim, vou mesmo falar de «raízes», finalmente.
Isto de raízes tem muito que se lhe diga. A originalidade das Visões de Octávio dos Santos não é uma originalidade saída do vazio, ou reformulada a partir de modelos alienígenas – alienígenas, quero dizer, tanto os habituais «lá de fora» (anglo-saxónicos, de preferência…) como sobretudo os de outras galáxias, haja em vista o seu pendor para a ficção científica, confirmado pelas distinções que obteve no Prémio Literário de Ficção Científica organizado pela associação Simetria FC & F no ano 2000. Fiquemo-nos pela lusitana «galáxia», que já tem muito por onde o situar, e pelo modelo cáustico de Mário-Henrique Leiria, considerado em muitos aspectos «fundador» entre os nossos modelos de «ficção especulativa». Este, sobretudo, é um modelo muito forte e de boas raízes, e tiro o chapéu a Octávio dos Santos pela forma exímia como soube testemunhar e reerguer, bem alto, o facho (de «luz negra»?) da maratona.
Mas, atenção! Já que falamos em raízes, recordemos que o próprio Mário-Henrique Leiria tão-pouco surgiu do nada, é um continuador-inovador na corrente da «ficção visionária» portuguesa, e, com a devida licença – e indulgência – do leitor desejoso de bisbilhotar mais umas coisitas sobre estas palpitantes matérias, aproveito o ensejo para fazer um breve excurso sobre a história dessas tais «fantásticas» raízes (e só para nos cingirmos ao século que passou) donde brotaram os frutos de Mário-Henrique Leiria e de Octávio dos Santos.
Ora vejamos: nos princípios do século XX a literatura fantástica em Portugal limitou-se a prolongar o que vinha dos fins do século anterior, e que já tive ocasião de abordar em outros prefácios desta colecção dedicados precisamente a autores portugueses do século XIX.
Os dois exemplos mais flagrantes que costumam ser referidos nesse período inicial do século XX são Fernando Pessoa (1888-1935) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916).
Do primeiro podem reter-se algumas prosas de ficção como, por exemplo, «Um Jantar Muito Original» (1907), onde o fantástico se mistura com o horror do mais frio canibalismo, «A Rosa de Seda» (1915), que finge ser uma antiga fábula, e uns fragmentos da novela «Czarkresko», que deixou incompleta.
O segundo é mais propriamente um autor «negro», onde o fantástico se associa ao horror e às obsessivas preocupações com a morte, a loucura, os estados de alma tragicamente depressivos, o suicídio. Para além da sua obra-prima, A Confissão de Lúcio (1914), onde a tortura moral do protagonista e o pesadelo são levados a extremos alucinatórios, é porém na sua colectânea de novelas Céu em Fogo (1915) que o fantástico de Sá-Carneiro mais claramente se recorta, sobretudo em «A Grande Sombra» ou em «O Fixador de Instantes», e talvez mais ainda em «A Estranha Morte do Prof. Antena», considerada a primeira novela portuguesa de ficção científica.
Historiando mais um pouco, constatamos que foi somente na primeira metade do século XX que as obras de teor fantástico produzidas em Portugal começaram a libertar-se do gótico do século anterior – e para isso terá concorrido sem dúvida o advento do surrealismo entre nós, que, ao renovar o «visionário» com uma nova tónica, produziu bons frutos narrativos, além da sua expressão em poesia e em artes plásticas. São de realçar, dentro do fantástico, a obra-prima de ironia e humor de António Pedro, Apenas uma Narrativa (1942), além dos textos de Virgílio Martinho e Mário Cesariny de Vasconcelos.
Ultrapassar o real e captar os mistérios que irrompem entre o sonho e a realidade foi uma constante do fantástico de José Régio (1901-1969), um dos «grandes» da literatura portuguesa. Essa característica é flagrante no seu romance O Príncipe com Orelhas de Burro (1942) e mais ainda no livro de contos Há Mais Mundos (1963), dos quais a Profª. Maria Leonor Machado de Sousa destaca o «Conto de Natal» no seu estudo sobre O Horror na Literatura Portuguesa (ICP, 1979), referindo-se-lhe nos seguintes termos:
«É de salientar “Conto de Natal” onde há um monstro meio animal, “talvez dos princípios do mundo”, que aterroriza toda a população das serras onde vive e que, ao morrer, se transforma num ser de beleza sem igual, numa metamorfose que só a um pastorzito ingénuo é visível. Há aqui uma preocupação alegórica que Régio já exprimira em O Príncipe com Orelhas de Burro (1942), a ideia de que a perfeição não é deste mundo, o que condena à morte os seres que a obtenham. Ao tratar este tema, é completamente livre o recurso ao fantástico, que em ambos os casos chega a ser aterrador.» (pp. 81-82)
Até aos fins da década de 70 do século XX podemos considerar que se encerra um período do fantástico português caracterizado por formas sombrias, talvez ainda reminiscentes da evanescente influência do gótico do século anterior, mais do que por um apelo puro à livre imaginação; entre os exemplos mais citados, salientam-se: Branquinho da Fonseca (1905-1974) - O Barão (1942); Domingos Monteiro (1903-1980) - Histórias Castelhanas (1955) e Histórias deste Mundo e do Outro (1961); José Rodrigues Miguéis (1901-1980) - Léah e Outras Histórias (1958); Jorge de Sena (1919-1978) - O Físico Prodigioso (1977).
Exceptua-se deste «clima» o extraordinário romance de José Gomes Ferreira (1900-1985) As Aventuras de João Sem Medo (1963), a que o próprio autor chamou «panfleto mágico em forma de romance», uma obra-prima de imaginação fulgurante e um dos livros fantásticos mais espantosos, senão mesmo delirantes, da literatura portuguesa.
É então que surgem dois autores de grande relevância, dentro deste segundo período citado, e que merecem uma referência especial – dois nomes que costumam ser invocados pelos modernos autores portugueses de speculative fiction como seus «antecessores», embora as suas produções, por vezes de difícil classificação, oscilem entre o surrealismo, a ficção científica e o fantástico: são eles Mário-Henrique Leiria (1923-1980), de que já falámos um pouco, e Romeu de Melo (1933-1991). Do primeiro, além dos já citados Contos do Gin-Tonic e Novos Contos do Gin, há sobretudo que considerar Casos do Direito Galáctico (1975), uma verdadeira obra-prima, que se projecta luminosamente, como uma asa padroeira, no extraordinário conto (conto?) «Decreto Lei Nº 54» do presente livro Visões. Do segundo autor, Romeu de Melo, ficarão para a história da literatura portuguesa (ficarão? O mainstream é tão vesgo, tardonho e ferrugento…) os romances-do-absurdo AK - A Tese e o Axioma (1959), Não lhes Faremos a Vontade (1970) e A Buzina (1972).
A importância de Mário-Henrique Leiria e de Romeu de Melo como «figuras tutelares» da moderna tradição portuguesa de ficção científica e fantástico ficou bem testemunhada pela homenagem que se lhes prestou por ocasião dos 2os Encontros de Ficção Científica e Fantástico de Cascais de 1997: a antologia de contos intitulada Efeitos Secundários/Side Effects, que nesse ano a Simetria FC & F editou em versão bilingue para assinalar o evento, é antecedida, significativamente, pela seguinte dedicatória: «À memória de Romeu de Melo e Mário-Henrique Leiria, que resolveram transformar-se em luz e viajar através do tempo e do espaço rumo ao coração da galáxia.»
Nas duas últimas décadas do século XX, sobretudo, e nestes inícios do século XXI, o Fantástico português desenvolveu-se e expandiu-se duma forma quase explosiva, fenómeno de certo modo associado ao desenvolvimento e expansão da ficção científica criada em Portugal, bem como à influência da permanente transfiguração das mentalidades a que assistimos todos os dias, com o recurso às novas «magias» possibilitadas pela utilização desenfreada dos computadores, da Internet, dos «efeitos especiais» nos meios audiovisuais…
Enfim, tanto haveria a dizer sobre este explosivo e inesgotável tema que prefiro quedar-me por aqui; a história da «ficção especulativa» portuguesa está viva, frondeja e os seus frutos são cada vez mais saborosos e sumarentos… O leitor que o ajuíze por si, deliciando-se – ou saudavelmente «horrificando-se»! – a ler as páginas que se seguem, e fazendo bem, talvez, em meditar seriamente nos signos, nas cifras e nas passwords que as Visões de Octávio dos Santos nos oferecem «como maçãs de ouro em bandeja de prata».

ANTÓNIO DE MACEDO

Orientação: A ligação para o meu livro «Visões»

Editado há cerca de ano e meio, é actualmente pouco provável encontrar o meu primeiro livro nos locais – isto é, livrarias - que constituem o normal circuito de distribuição. Assim, quem quiser adquiri-lo poderá fazê-lo muito mais facilmente contactando directamente a Hugin Editores, mais concretamente através do seu sítio na Internet, e mais especificamente ainda na página daquele referente ao «Visões».

Origens: Uma breve biografia

Octávio José Pato dos Santos nasceu em Lisboa a 16 de Abril de 1965. Começou a escrever poesia em 1978, e o seu primeiro poema foi publicado na edição de Maio de 1979 da revista O Professor – inserido, com outros, num artigo da Professora Doutora Leonor Malik, que era então a sua docente de português. O tema desse artigo era uma exposição de textos e de desenhos, feitos por alunos da Escola Secundária Gago Coutinho de Alverca do Ribatejo, sobre o livro «Esteiros», de Soeiro Pereira Gomes.
Após passar pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, segue Sociologia no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, onde foi um dos alunos a concluir o primeiro seminário (especialização) de Sociologia da Comunicação daquela licenciatura; a sua tese foi orientada pelo Professor Doutor José Manuel Paquete de Oliveira. Naquele estabelecimento de ensino foi ainda membro da Direcção e Presidente do Conselho Fiscal da Associação de Estudantes do ISCTE, membro da Assembleia de Escola e da Assembleia Especial para a Aprovação dos Estatutos do ISCTE, membro do Conselho Directivo do ISCTE, e membro da Comissão Executiva do 1º Encontro Nacional de Estudantes de Sociologia, realizado em 1990.
Com excepção de um breve estágio em publicidade na McCann Erickson Portugal em 1991, e de colaborações pontuais e posteriores em outras instituições, praticamente toda a sua carreira tem sido feita no jornalismo. Actividade que iniciou em 1985, enquanto «amador», como redactor e chefe de redacção do jornal regional Notícias de Alverca, e que prosseguiu como coordenador do DivulgACÇÃO, boletim informativo da Associação de Estudantes do ISCTE. Enquanto profissional, começou na (equipa inicial da) revista TV Mais, esteve na revista África Hoje, e desde 1997 que observa de perto a evolução do sector das tecnologias de informação, media e telecomunicações em Portugal. Ao serviço das revistas Cyber.Net, Inter.Face e Comunicações, foi distinguido - com, respectivamente, um primeiro lugar absoluto, uma menção honrosa e um co-primeiro lugar ex-aequo - em três anos consecutivos – 1998, 1999 e 2000 - pelo Prémio de Jornalismo Sociedade da Informação, uma iniciativa do anterior Ministério da Ciência e da Tecnologia. Eis os títulos desses três artigos premiados: «A cartilha virtual: construindo as ciberescolas», «A vida em sociedade» e «No país dos comerci@ntes» - este escrito em parceria com João Paulo Aires.
Colaborou e/ou colabora em outros jornais e revistas, nomeadamente A Capital, Diário de Notícias, Diário Digital, Diário Económico, Finisterra, Fórum Estudante, Jornal de Leiria, Media XXI, Número Magazine, Page, Público, Seara Nova, Semanário, Vértice e Vida Ribatejana.
Leitor desde criança de livros, clássicos e modernos, de todos os géneros literários, é porém na música e no cinema que tem as suas principais fontes de inspiração e de influência. Contudo, o seu fascínio pela cultura popular anglo-americana é superado pela sua paixão pela lusofonia. Sobre este tema: escreveu vários artigos; mantém, desde 1988, um arquivo de imprensa; e prepara actualmente, enquanto principal projecto profissional, uma revista.
Após 18 anos a tentar editar as suas obras, «Visões» – escrito na sua maior parte em 1997 mas que inclui textos elaborados em 1982 e em 1985/87 – constituiu, em Novembro de 2003, a sua estreia literária. Este livro é o Nº 7 da colecção - dirigida pelo escritor e cineasta António de Macedo - «Bibliotheca Phantastica» da Hugin Editores. Dois dos contos que o integram - «A caixa negra» e «Caminhos de ferro» – já haviam sido seleccionados como «merecedores de publicação» pela associação Simetria FC & F, no âmbito da edição de 2000 do seu Prémio Literário de Ficção Científica.
No presente, está a escrever um livro que pode definir-se como sendo uma fantasia baseada em factos e em figuras reais do passado, e que pretende evocar o Portugal do século XVIII a propósito dos 250 anos do Terramoto de Lisboa. Entre os seus outros livros já prontos para publicação no futuro, e registados na Inspecção Geral das Actividades Culturais, incluem-se: «Espelhos», «Alma Portuguesa» e «Museu da História» (poesia); «Festas» (prosa); «O Novo Portugal» e «Códigos» (ensaio).

Orientação: Uma ligação para outra lista, esta de...

... Nascimentos, e não só, ocorridos a 16 de Abril.

quinta-feira, abril 07, 2005

Obras: "O sonho de Beethoven"

Naquela noite de 7 de Abril de 1805, domingo, em Viena,
o mestre apresentava pela primeira vez a sua terceira sinfonia.
No teatro da cidade a alta sociedade estava reunida
com os ouvidos e os corações afinados em perfeita sintonia.

A orquestra começou a tocar, e a surpresa foi imediata e geral:
nunca ninguém ouvira sons tão fortes e tão contrastantes.
A música também passava por uma violenta revolução,
e nela, tal como na Europa, em breve nada seria como antes.

Finda a actuação, o mestre ia agradecer os aplausos que não podia ouvir.
Mas quando se voltou viu, espantado, algo que lhe gelou as veias:
o teatro havia-se transformado num fumarento campo de batalha,
com destroços de homens e de cavalos, de canhões e de bandeiras.

Depressa ele afastou dos olhos e da mente aquela terrível visão.
Mas compreendeu depois que ela era uma assustadora premonição.
Aquele a quem dedicara aquela obra aproximava-se da cidade
e iria tornar aquele funesto sonho em sombria realidade.


Poema (Nº 240) escrito em 1991 e incluído no meu livro «Museu da História».

sábado, abril 02, 2005

Obras: "O"

«O» está no centro da dor.

«O» é a expressão do sofrimento.

«O» é uma roda que nunca irá parar de rodar.

«O» é um anel flamejante, uma corrente de que nunca nos poderemos libertar.

«O» é um círculo que se fecha à nossa volta e aperta até não nos deixar respirar.

«O» é também zero, é nada.

«O» é a primeira letra do meu nome.


Poema (Nº 149) escrito em 1986 e incluído no meu livro «Espelhos».