terça-feira, fevereiro 22, 2022

Opinião: A confirmação do conformismo

No passado dia 7 de Fevereiro Henrique Pereira dos Santos publicou no blog Corta-Fitas o seu texto «Sampaio, Santana e as instituições», em que afirma que «(Somos) tão poucos a ter a opinião de que Sampaio, quando dissolveu o parlamento em Novembro de 2004, o fez de uma forma institucionalmente inadmissível. (...) O governo de Sócrates foi muito pior e perigoso para o país que o de Santana Lopes, culminando num pedido de assistência externa. (...) Sampaio resolveu, de acordo com o poder discricionário que a constituição lhe dá, dissolver a Assembleia da República, mas é completamente terceiro-mundista fazê-lo sem que o justifique, tornando uma prerrogativa numa prepotência. (...) O problema é que esta fragilidade institucional nos deixa quase indefesos, como sociedade, face à possibilidade de cometermos os mesmos erros.»
Porque eu considero este facto político o mais significativo e consequente (no mau sentido) em Portugal dos últimos 20 anos, senti-me na «obrigação» de deixar o meu comentário: «Não sei se são assim “tão poucos” os que pensam, e afirmam, que Jorge Sampaio dissolveu o parlamento em 2004 de uma forma “institucionalmente inadmissível”. De qualquer forma, eu sou um deles, e em 2007, no meu artigo “Sem pejo”, publicado n'O Diabo (e depois incluído no meu livro “Um Novo Portugal”, editado em 2012), escrevi o seguinte: “A decisão de maior impacto que Jorge Sampaio tomou, não só em 2004 mas em todos os dez anos enquanto presidente, foi sem dúvida a demissão (indirecta) do Governo de Pedro Santana Lopes através da dissolução da Assembleia da República, processo que decorreu entre Novembro e Dezembro daquele ano. Já em Outubro Sampaio teria afirmado, numa entrevista, ‘que preferia que outro partido tivesse ganho as eleições (legislativas de 2002), mas o PR não pode expressar estados de alma...’ Afinal, expressou-os e concretizou-os. Justificou a sua decisão com uma alegada série de ‘incidentes, contradições e descoordenações’ - que não explicitou - e com uma alegada ‘concordância geral’ por parte da opinião pública – que não demonstrou. Tanto aos governos de António Guterres, antes, como ao de José Sócrates, depois, podem ser apontados autênticos, muitos e mais graves ‘incidentes, contradições e descoordenações’... mas em relação a esses Sampaio não teve a mesma atitude. Porque eram do seu partido? Quando, em Julho de 2005, Luís Campos e Cunha se demitiu (ou foi demitido?) de ministro das Finanças por discordar dos projectos da Ota e do TGV, o então PR não deve ter considerado tal facto um motivo para dissolver a AR... mas fê-lo depois de Henrique Vale se demitir por não concordar com os pelouros que Santana lhe atribuíra. Enfim, é uma questão de saber o que é mais importante...” Mais recentemente, e sobre o mesmo assunto, acabei por manter um breve “diálogo” com Luís Menezes Leitão no Delito de Opinião.»
Nesse «diálogo», ocorrido a propósito de um texto de LML publicado em 23 de Fevereiro de 2019 (sim, há exactamente três anos), eu afirmei: «Já o disse e escrevi anteriormente, incluindo aqui no DdO, e espanta-me que tenha de voltar ao assunto: afirmar que o governo presidido por Pedro Santana Lopes foi o “pior”, ou “o mais desastroso”, ou qualquer outra idiotice desse tipo, só demonstra que quem o faz tem sérios problemas de (falta de) inteligência, de memória e/ou de saúde. José Sócrates decerto agradece tais disparates. (…) José Sócrates agradeceu, sim (e, se não o fez, devia tê-lo feito), a Jorge Sampaio a oportunidade que teve. E, comparado com o do “engenheiro ao domingo”, o governo de Pedro Santana Lopes foi mesmo magnífico. (...) A alusão às “pessoas que continuam a apostar em (Pedro) Santana Lopes” não é para mim de certeza, pois não “aposto” nele nem em praticamente qualquer figura do actual regime - regime que, volto a dizer, já há muito passou do “prazo de validade” e deve ser substituído. Porém, isso não implica que aceite, nem que seja pelo silêncio, as mentiras, as falácias, as distorções, enfim, a reescrita falseada da História, que atingem PSL ou qualquer outra pessoa. Obviamente, o governo daquele tinha de facto “um mínimo de consistência” - interna e ainda um apoio maioritário no parlamento - e não andou a “perder tempo com incubadoras” - tal foi apenas um “fait-divers”, um “sound-bite”, que, claro, os opositores e a comunicação social “amiga” daqueles trataram de exagerar até à histeria, criando o ambiente propício para que em eleições legislativas (indevidamente) antecipadas o PS obtivesse um (imerecido) triunfo. Desastrosa foi, sim, a presidência de Jorge Sampaio, cujas consequências continuamos a sofrer.» E ao domínio «rosa» será suficiente existir somente uma alternativa «laranja»? Há muitas pessoas que pensam isso, entre as quais José Miguel Roque Martins, que, também no Corta-Fitas, mas a 23 de Julho de 2021, escreveu, no seu texto «A responsabilidade total do PS», que «é difícil vislumbrar um futuro para Portugal sem um pacto de regime entre os dois maiores partidos, o PS e o PSD.» Em resposta comentei e perguntei: «A sério? É esse o único futuro que se vislumbra para Portugal? Uma continuada partilha entre os partidos do “centrão”, pródiga em incompetência e em corrupção? Que mais não tem feito do que “gerir” a desmoralização, o declínio, a degradação deste país, a diferentes níveis, político, social, económico, cultural? E porque não um futuro diferente? Que implique, por exemplo, uma radical renovação, quiçá uma revolução, que acabe com este regime, a III República? Que, aliás, acabe com a República, pura e simplesmente? Que permita trazer e aplicar novos valores, novas ideias, novos talentos?»
Os resultados das eleições legislativas do passado dia 30 de Janeiro vieram demonstrar, nova e infelizmente, que essa (muito) necessária transformação fundamental não é possível em Portugal, pelo menos por meios pacíficos. O mais recente escrutínio nacional apenas constituiu (mais um)a confirmação do conformismo em que se encontra uma parte considerável, quiçá maioritária, da população deste país, que proporcionou ao Partido Socialista a segunda maioria absoluta da sua história. O mesmo é dizer, proporcionou aos mesmos protagonistas (menos um ou outro) da primeira, que levou a nação à falência, uma segunda oportunidade para, sem obstáculos institucionais, arrastarem-nos, talvez desta vez definitiva e irreversivelmente, para a ruína total. Serão esses cidadãos irremediavelmente estúpidos? Simples masoquistas? Terão memórias (muito) curtas? Seja como for, é cada vez mais legítimo questionar se todos os povos merecem a democracia, e se a plena igualdade de direitos e de deveres para todos os indivíduos se justifica. Porque é que uns, lúcidos e motivados, têm de ser sucessivamente prejudicados por outros, iludidos e manipulados? E porque é que para muitos dos que não se resignam com a cobardia, a estagnação e a mediocridade que os rodeia a melhor, ou a única, solução continua a ser a emigração?  
Os que erram constantemente não merecem respeito. Cada vez mais se impõe desafiar a noção, ou o dogma, de que «a vontade popular é soberana» se essa suposta «vontade» não passa de uma obediência rotineira a ordens ilógicas, injustas e/ou ilegítimas. A sujeição é algo de sujo. 

1 comentário:

Shôr Bruno, Nuno, Diogo, etc. disse...

O grande problema do PSL foi a falta de legitimidade reconhecida pela maioria para o cargo que ocupou. A maioria dos cidadãos não estavam preparados para a saída dum primeiro-ministro recém eleito. Talvez por essa experiência tenham depois aceite a "geringonça". O primeiro grande erro de Sampaio foi ter aceite a proposta de Durão Barroso sabendo que o iria atraiçoar. Se não foi uma grande jogada política, pelo menos pareceu.