Hoje, 4 de Novembro de 2024, passam exactamente 40
anos desde a morte do meu pai, José Manuel Dias dos Santos. Um dos acontecimentos
mais marcantes – aliás, numa certa perspectiva, talvez mesmo o mais marcante –
da minha vida, pelo profundo impacto e pelas enormes consequências que nela
teve. Poder-se-á contrapor que o falecimento de um progenitor é algo de natural
e de previsível, para o qual devemos estar, mesmo que inconscientemente, sempre
preparados. Sim, sem dúvida; mas há que reconhecer também que esse cenário inevitável
toma contornos muito diferentes quando o funesto desaparecimento acontece
prematuramente, aos 45 anos de idade. Para melhor contextualizar a perda, eu
tinha 19 anos e o meu irmão 12.
Nestas quatro décadas que entretanto passaram nunca
deixei de me lembrar do, e de pensar no, meu pai constantemente. De duas formas,
ou em dois sentidos: por um lado, interrogando-me sobre o que ele acharia de
factos importantes que ocorreram em Portugal e no Mundo, e das figuras que os
protagonizaram; e, por outro lado, especulando sobre qual teria sido a própria evolução
pessoal dele, em especial nos aspectos ideológico e profissional. O meu pai, à
semelhança de outros, ficaria supreendido pela ascensão à Presidência da
República de Mário Soares, primeiro, e de Cavaco Silva, depois, além de pelos
dez anos em que o ex-ministro das Finanças de Francisco Sá Carneiro foi
primeiro-ministro; teria ainda, acredito, testemunhado com expectativa a adesão
do nosso país à Comunidade Económica Europeia e as mudanças radicais que aquela
induziu; observado com entusiamo a realização da Expo 98 e a concomitante renovação
urbana da zona oriental de Lisboa; assistido, entre espanto e terror, à queda
do Muro de Berlim, ao fim da União Soviétiva e aos ataques terroristas de 11 de
Setembro de 2001. A um nível individual prefiro imaginar que também se afastaria
progressivamente do Partido Comunista Português, em que ambos militámos (eu na
JCP), mas é provável que não tivesse ido tão longe quanto o filho mais velho,
que se tornou monárquico e de direita; e não duvido de que, a dado momento,
ter-se-ia tornado empresário e lançado o seu próprio, bem sucedido, negócio, porque
espírito de iniciativa e competência técnica não lhe faltavam, de que é um
exemplo o ter sido o fundador principal da cooperativa de consumo Unipovo, em Alverca.
Em retrospectiva, aquele ano de 1984 destaca-se como
memorável por diversos motivos, a maioria dos quais infelizes. Começou mal com a
morte igualmente precoce de José Carlos Ary dos Santos, que o meu pai conheceu
pessoalmente enquanto publicitário, e a quem por isso eu muito gostaria de ter
dado a ler os meus poemas. Continuou pior com o falecimento ainda mais precoce de Joaquim Agostinho, cujo cortejo fúnebre, que partiu da Basílica da Estrela
com destino a Torres Vedras, nós presenciámos no Largo do Rato, depois de
termos descido a Rua Rodrigo da Fonseca, vindos da empresa onde o meu pai
trabalhava, situada num edifício na esquina com a Avenida Joaquim António de
Aguiar – o mesmo a que eu voltaria, uma década depois, mas para um outro piso,
enquanto redactor da revista África Hoje. Mantendo-nos no desporto, o José
Manuel, tal como todos os seus compatriotas, exultou com a vitória – e respectiva
obtenção da medalha de ouro (a primeira de Portugal) – de Carlos Lopes na prova
da maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Um triunfo que mais ou menos
compensou a desilusão da derrota da selecção portuguesa de futebol face à sua
congénere gaulesa no campeonato da Europa daquele ano, realizado, precisamente,
em França. Como eu lamento que o meu pai não tenha tido a felicidade de
assistir à «desforra» em 2016 e se maravilhar com as proezas de Cristiano
Ronaldo, que nasceu no ano seguinte àquele em que ele pereceu...
... E que, tal como
Carlos Lopes e Joaquim Agostinho, está entre os atletas mais valorosos que
envergaram as cores do Sporting Club de Portugal, de que ele era adepto. O que,
depois de se casar, resultou numa «solidão clubística»: rodeado de
benfiquistas, afirmava com bom humor ser o «Acácio Barreiros da (nossa) família».
E hoje, muitos anos depois, o que acontece neste âmbito? Decidi tornar-me adepto
do Sporting. Quem disse que não se pode mudar de clube, e numa idade já
«avançada»? Afinal, se mudei tanto a nível político, porque não poderia fazer o
mesmo a nível desportivo? E fi-lo não apenas por estar cansado, farto, da incompetência crónica e do fatalismo perene do suposto «glorioso»; também por
muito admirar Frederico Varandas e Rúben Amorim – este um conterrâneo, aliás. Mas,
principalmente, por o SCP ser uma das poucas (ou possivelmente a única?)
instituição de grande dimensão no país, pública ou privada, que não se submeteu
ao infame e ilegal «acordo ortográfico de 1990». Assim, actualmente sou eu que
de certo modo invoco o então deputado único da UDP. O que não é um problema. E,
enfim, o verde é também a minha cor, verdes são os meus (defeituosos) olhos, verde
de uma esperança que, porém, agora é para mim, enquanto adulto e por causa de
bastantes desilusões e de vários fracassos, bem menor do que quando eu era mais
jovem. Do que quando o meu pai era vivo.
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