segunda-feira, abril 02, 2012

Observação: Cumplicidade na perversidade

Mais um exemplo recente – e são tantos! – do delírio surrealista em que se transformou a (tentativa de) imposição do «acordo ortográfico» é dado pelas entrevistas que o blog Blogtailors – da Booktailors/Consultores Editoriais – tem conduzido com vários intervenientes do panorama literário português – autores, críticos, editores. A quase todos é pedida a opinião sobre o execrável AO90… e, invariavelmente, com maior ou menor veemência, a resposta vai sempre no sentido da rejeição, da negação do dito cujo.
Neste sentido, merecem especial destaque, entre outras, as posições de José Riço Direitinho («uma tontice, uma palermice»), Ana Pereirinha («não serve a língua, não serve a liberdade de pensamento ao cortar as raízes com a memória da língua»), Sara Figueiredo Costa («a derrocada de uma unidade e de uma lógica linguísticas que incluem a história da língua, a etimologia e a sua ligação com a definição de regras ortográficas, a própria noção de ortografia, que nunca incluiu a ideia peregrina de cada um escrever “como diz”») e Luís Miguel Rocha («a língua é um organismo vivo, evolui naturalmente, não faz qualquer sentido modificá-la artificialmente, em vez de perderem tempo com acordos ortográficos deviam esforçar-se por expandi-la»). E ainda Fernando Pinto do Amaral, Manuela Ribeiro, Luís Diamantino, Patrícia Reis, Cristina Ovídio, Ana Luísa Amaral, João Luís Guimarães, Helena Vasconcelos…
Porém, como a Booktailors e o Blogtailors também já «adotaram» o AO90, dá-se a insólita circunstância (e isto sucede sem dúvida em outras instâncias) de os depoimentos daqueles opositores à «nova ortografia» serem transcritos segundo a mesma. E isto é algo que todos os que combatem pela preservação da língua portuguesa devem resolver de uma vez por todas, e o mais rapidamente possível: em qualquer ocasião, em qualquer meio, devem certificar-se de que as suas palavras não serão distorcidas pelo «aborto» aberrante expelido por Malaca & Companhia (muito limitada); devem condicionar as suas participações, em órgãos de comunicação social que capitularam perante os totalitaristas culturais, ao respeito integral pela forma correcta de escrever.
Enfim, quanto à Booktailors, que assim tem visto ser sistematicamente posto em causa o seu colaboracionismo (interesseiro, porque também promove acções de formação sobre o assunto), que não «desespere», porque há algumas individualidades que de bom grado proclamarão a sua adesão ao AO90 se forem entrevistadas. Nomeadamente, Carlos Reis, Edite Estrela, Isabel Alçada, Lídia Jorge, Miguel Paes do Amaral e Vasco Teixeira; e Bárbara Bulhosa e José Eduardo Agualusa, que poderão aproveitar mais uma oportunidade para denunciar os «xenófobos» e «reaccionários» que ainda têm uma «visão imperial da língua». Pois, nós, os que somos contra a «uniformização» daquela, é que somos «imperialistas»… É uma «(i)lógica» interessante, a mesma, aliás, seguida no recente 7ª Reunião dos Ministros da Educação da CPLP, realizada em Angola (Luanda), e que teve como tema «solidariedade na diversidade». Mas… qual diversidade?! Só se for a culinária, porque quanto à linguística estamos conversados. «Cumplicidade na perversidade», isso sim! (Também no Esquinas (118) e no MILhafre (54).

2 comentários:

Duarte disse...

Há uma forma de boicotar o AO, além da preconizada. Eu ando a passar a mensagem, e o boicote consiste simplesmente em recursarmos nas livrarias os livros escritos de acordo com aquela aberração. E fazer passar a mensagem aos livreiros, para que saibam que a nossa opção tem essa forma de protesto. Se as editores sentirem o boicote, vão ter que tomar opções, tal como repensar a edição de acordo com as novas regras

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

Inteiramente de acordo. Eu, aliás, também já faço isso há algum tempo - não compro livros adulterados pelo AO e incentivo familiares, amigos e conhecidos a fazerem o mesmo. Há, porém, uma excepção que é difícil ou mesmo impossível de contornar: os livros escolares. Mas, aí, há que transformar o problema numa oportunidade - as minhas filhas, incluindo a mais nova (tem só sete anos), corrigem os «erros», para vergonha dos professores.