O Embaixador de Portugal em França, Francisco Seixas da Costa, escreveu e publicou no jornal francês Les Echos, a 8 de Julho, o artigo «Les efforts du Portugal sont bien mal récompensés...», sobre a redução, pela empresa Moody’s, do «rating» da dívida pública portuguesa para o nível Ba2 (equivalente a «junk», isto é, lixo). Ele divulgou esta intervenção no seu blog Duas ou Três Coisas, onde eu deixei o seguinte comentário:
Sinto-me no dever de expressar a minha mais «sincera» «solidariedade» ao Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa. Apenas posso imaginar – e levemente! – o quanto lhe terá custado escrever este artigo.
Não só pelo tema: de facto, é muito difícil, é mesmo trágico, comentar a desqualificação do país natal para a categoria «lixo» - algo que, pensando bem, representa a consequência lógica de cem anos de regime republicano (que «magnífica» maneira de encerrar as comemorações!) e em que predominaram «homens de avental» - logo, habituados a lidar com vários tipos de sujidade. Mas também, e precisamente, pela forma de o escrever: então não é que o Senhor Embaixador, emérito defensor e seguidor do «acordo ortográfico» da língua portuguesa, se vê obrigado a utilizar essa «arcaica», «obsoleta», «ultrapassada» língua francesa, em que abundam as consoantes «mudas», os acentos e ainda as vogais e as consoantes repetidas?
Sim, eu sei, são os «ossos do ofício», os «sacrifícios» que se têm de fazer quando se representa Portugal. Mas, caramba, há coisas que são de mais! Atente-se em algumas das palavras presentes no artigo do Senhor Embaixador, cada qual, acredito, uma autêntica punhalada que desferiu no seu coração luso-tropical: «atteindre», «annoncée», «nouvelles», «objectif», «effets», «accepté», «accord», «européennes», «apparu», «dette», «immédiats», «privées», «étonée», «actuelle», «années», «mettre», «meilleure», «cette», «laquelle», «effort», «ailleurs», «différente», «acteurs», «donnaient», «successives», «apporter», «ponctuelles», «elles», «restructuration», «regrettable». Não faltou até – ignóbil insulto auto-infligido! – essa relíquia secular que é «cacophonie», que, com o seu «ph» (não alcalino), é parente distante das nossas «pharmacia» («pharmacie») e «physica» («physique»), «palavras-parasitas» que os nossos «gloriosos» revolucionários de 1910 não tardaram em exterminar.
Sim, o francês já foi a língua da cultura e da civilização. Agora… é a decadência! Lamentável! Pelo que só ficaria bem ao Dr. Seixas da Costa, ilustre elemento da vanguarda da classe operária… perdão, literária, instruir e iluminar os franceses na urgente tarefa e nobre causa de modernizar a sua língua, tornando-a, como a nossa, mais próxima da oralidade. Poderia até requisitar os serviços do Professor Malaca Casteleiro, que, não duvido, estaria disponível e motivado – por um preço adequado, claro – para viajar e para converter estes novos bárbaros. E, já que ele vai para Paris estudar… «philosophie», o anterior primeiro-ministro, Senhor Pinto de Sousa, decerto não recusaria dar a sua ajuda. Que trio! Obviamente que os gauleses, quais descendentes de Astérix, se ririam nas vossas caras e vos chamariam de loucos, mas isso não deveria ser motivo e pretexto para desanimarem e para desistirem!
(Mensagem reproduzida também no Esquinas (97) e no MILhafre (36).)
(Mensagem reproduzida também no Esquinas (97) e no MILhafre (36).)
4 comentários:
Um post que não se afasta da elegância de tratamento dos assuntos e das pessoas a que o autor nos habituou.
Muito obrigado, senhor embaixador, pelo seu comentário. Fico contente que tenha gostado. De facto, eu tento sempre manter o nível elevado, mesmo quando o assunto - neste caso, o AO - é tão reles, de tão baixa categoria.
Muito bem, Octávio. Palavras bem ditas, as suas. O AO, assunto reles de baixa categoria, é, acima de tudo, uma Mentira de Estado.
Muito obrigado, João.
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