Passam hoje 20 anos sobre a queda do Muro de Berlim. Ou, mais correctamente, sobre a autorização, dada pelas autoridades da então RDA aos seus cidadãos, de passagem da fronteira para a então RFA. Além do início da demolição do «muro da vergonha», esta data assinalou o começo do processo de reunificação da Alemanha, e, consequentemente, também do realinhamento e reformulação das relações e políticas europeias... e até mundiais.
Há duas décadas eu estava no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa a frequentar a licenciatura em Sociologia daquele instituto. E, curiosamente, tinha escolhido «Políticas Europeias Comuns» como uma das disciplinas optativas nesse ano lectivo de 1989/1990. Pelo que foi inevitável que o primeiro trabalho apresentado por mim, pensado e elaborado «em cima dos acontecimentos», tivesse, como tema, «As mudanças a Leste e a Comunidade Europeia».
Assim, e porque me parece oportuno e relevante este exercício de memória, deixo a seguir alguns excertos desse meu trabalho, que viria a integrar o livro (ainda não publicado) «Estados – Ensaios sobre Sistemas de Poder», que tem como autor, além de mim, o meu amigo (e colega no ISCTE) Rui Paulo Almas.
«(...) “Os países de Leste têm também raízes históricas europeias muito fortes para que estejam relegados para um plano de enquadramento comunitário demasiado remoto. Se a construção do mercado único entre os países da Europa Ocidental membros da Comunidade vier a implicar uma clivagem acrescida entre o comércio do novo mercado e os países de Leste, o desiderato da União Europeia fica fortemente prejudicado.”
As extraordinárias transformações ocorridas a Leste, impulsionadas pela “Perestroika” de Mikhail Gorbatchov e consideravelmente aceleradas após a queda do Muro de Berlim, só vieram confirmar a actualidade e a pertinência daquelas palavras. E vieram também relançar o debate sobre quais devem ser os principais objectivos da Comunidade Europeia. Mais: sobre o que deve ser a própria Comunidade Europeia. Na verdade, parece-nos que se tornou um pouco prematuro falar neste momento em “Políticas Comuns” antes de se (re)definir o que se entende por “Europeias”. Por isso mesmo nos parece também correcto afirmar que o debate cooperação/integração – que nos últimos tempos tinha sido substituído pelo debate integração/unificação – tem agora novas e melhores condições para se desenvolver... e uma maior legitimidade. (...)
Era mais ou menos este, numa síntese possível, o “estado das coisas” no interior da Comunidade Económica Europeia em finais de Outubro do ano passado. Porém, poucos dias depois, em 9 de Novembro de 1989 – uma data que ficará para a História – o Muro de Berlim cai. A partir de aqui, nada será como antes; e apesar de os acontecimentos a Leste não implicarem necessariamente, pelo menos de imediato, uma alteração profunda nos principais objectivos da Comunidade, eles vão todavia condicionar inevitável e decisivamente o timing e os modos da sua concretização. (...)
A Cimeira (extraordinária) de Paris de 18 de Novembro, que reuniu os chefes de Estado e de Governo dos países da Comunidade, constituiu a primeira tentativa de resposta concertada às mudanças aceleradas ocorridas nos países da Europa de Leste por parte dos Estados membros da CEE.(...)
Se já muito antes dos acontecimentos na Europa de Leste se duvidava da possibilidade da concretização efectiva do Acto Único em geral e do Mercado Interno em particular, depois da queda do Muro de Berlim as dúvidas avolumaram-se até um ponto em que é legítimo perguntar: faz hoje sentido continuar a insistir na união política da Europa?
Ao contrário do que afirmam, entre outros, François Mitterrand e Jacques Delors, as mudanças nos países de Leste não ocorreram devido principalmente ao facto de a CEE constituir um pólo de atracção, mas sim devido, essencialmente, ao movimento de reformas – a “Perestroika” - desencadeado pelo líder soviético Mikhail Gorbatchov, que permitiu a esses povos exigirem – e conseguirem – mais liberdade e mais democracia e, o que é mais importante, afirmarem a sua própria identidade nacional e cultural.
O que está a acontecer no Leste é a explosão – por vezes trágica – dos nacionalismos; ou seja, um fenómeno totalmente oposto à tendência que se está a tentar consolidar na Europa dos Doze. E apesar de os Estados membros do Comecon estarem agora a solicitar a ajuda dos Estados membros da CEE, não nos parece que isso signifique que aqueles desejam passar de um “federalismo” para outro. (...)»
(Efeméride referida igualmente no Esquinas (58).)
(Efeméride referida igualmente no Esquinas (58).)
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