terça-feira, fevereiro 21, 2006

Opinião: Falem português, porra!

Em Março de 2004 comprei o DVD do filme «Exterminador Implacável 3 – Ascensão das Máquinas» («Terminator 3 – Rise of the Machines», no original), distribuído no nosso país pela Columbia Tristar Home Entertainment. E encontrei neste DVD dois tipos de falhas. Primeiro, refere na caixa a inclusão de conteúdos que... não estão lá: não há «trailer» do filme «Bad Boys II», não há galeria fotográfica, não há (imagens da) ante-estreia... e a introdução por Arnold Schwarzenegger está não no disco 2 mas sim no disco 1, mesmo antes do filme. Segunda falha, e para mim mais grave: no disco 2, o dos «extras», todo o menu, muitos dos textos e as únicas legendas disponíveis estão em... castelhano.
Pouco tempo depois, contactei a Sony Portugal (posteriormente, contactaria igualmente a DECO), e a pessoa com quem falei disse-me que – além de não ter tido ainda reclamações (antes da minha) e de, também por isso, não ter conhecimento de eventuais defeitos do DVD – as decisões na empresa quanto ao tipo de produtos distribuídos na península ibérica são tomadas... em Madrid.
Poder-se-á perguntar: mais palavras (em português) para quê? Mas a questão é precisamente essa! Aparentemente, a língua portuguesa está, ao invés de se expandir e de se valorizar, a passar por um processo de secundarização, e, por vezes, de eliminação. A vários níveis, em várias instâncias, de várias formas. E nem a religião parece valer-nos muito: não foi há muito tempo que o Vaticano deixou de considerar o português – «apenas» o segundo idioma mais falado pelos católicos! - uma «língua de trabalho». E «descendo» do «sagrado» para o «profano», verifica-se que a nossa língua perde terreno nas instruções, nas legendas e até nos lemas (slogans originais, não traduzidos, nos anúncios publicitários) de produtos e serviços de consumo corrente – veja-se como os textos na nossa língua surgem muitas vezes em itálico e/ou em caracteres mais pequenos.
E a culpa não é só de «nuestros hermanos» – que, é verdade, parecem não perder uma oportunidade (como o referido caso do DVD parece demonstrar) para «apagarem» a nossa língua e a nossa identidade e para imporem as deles. Como acontece em tantas outras situações, os abusos são mais permitidos do que impostos. E até que nem é preciso muito: a diferença está muitas vezes nos pormenores. Porquê falar em «ibérico» – como a propósito do Mercado Ibérico de Electricidade - em vez de «luso-espanhol»? Quando é que os (alguns) portugueses, em especial jornalistas de televisão, vão deixar de falar castelhano com espanhóis, em Portugal mas não só? Eles percebem-nos! O problema não estava tanto em que José António Camacho, espanhol, então treinador do Benfica, falasse castelhano em Portugal; o problema estava mais em que Carlos Queirós, português, então treinador do Real Madrid, não falasse português em Espanha (e Luís Figo, e Ronaldo, e Roberto Carlos...)
Afinal, o que pode e deve ser feito nesta matéria? Que entidades podem e devem intervir? O Presidente da República de Portugal? Jorge Sampaio, primeira figura do Estado, deveria ser dos primeiros a dar o exemplo na utilização da sua língua nas viagens ao estrangeiro que efectua e nas cimeiras internacionais em que participa. Em vez disso, é frequente ouvi-lo falar em inglês e em francês... e, pior do que isso, em castelhano. E depois ainda há quem se escandalize por continuar a haver tantos estrangeiros que pensam que Portugal é mais uma das regiões de Espanha... Este mau hábito – que, é certo, não é só de agora, e que tem sido «partilhado» por muitas outras pessoas (António Guterres era outro «notório» praticante) – não só é ridículo como é também denunciador de uma certa hipocrisia: sempre a apregoarem a necessidade de defender a língua e a cultura portuguesas, acabam por, na prática, serem dos primeiros a colaborarem para o seu enfraquecimento. No fundo, é o perene fascínio pelo que é estrangeiro... Bem pode a presidente do Instituto Camões tentar definir e concretizar estratégias de difusão e de valorização do português no Mundo... Com «patronos» destes a darem maus exemplos, a «meterem golos na própria baliza» e a darem «tiros nos próprios pés» constantemente, para quê dar-se ao trabalho?
As incongruências na utilização do português também acontecem no espaço da lusofonia. Veja-se o que aconteceu com a TVI. No início de 2004 o canal de televisão dirigido por José Eduardo Moniz deu grande destaque à compra e exibição no Brasil, por parte da TV Bandeirantes, de algumas das suas novelas e séries de televisão, em especial «Olhos de Água» e «Olá Pai». A «Quatro» «embandeirou em arco», pode mesmo dizer-se. De facto, estar-se-ia perante um momento de viragem algo «histórico», uma inversão na tendência até hoje dominante – a da «invasão» de Portugal por telenovelas brasileiras. Algum tempo depois, soube-se que havia um (grande) «mas»: as «exportações» da TVI iriam ser dobradas... em «português do Brasil». Motivo? «Os portugueses falam excessivamente rápido e juntam o final das palavras com a seguinte, o que dificulta o entendimento.» Afinal, em que ficamos? É assim que se promove a «reciprocidade», o «intercâmbio de culturas», a «aproximação de povos irmãos»... eliminando as diferenças que supostamente – é o que estão sempre a dizer - nos enriquecem? Isto não é um incentivo à comunicação... é um convite à preguiça! Compare-se com o que aconteceu no nosso país quando «Gabriela» começou a ser transmitida: não se fez dobragem, e, progressivamente, adaptámo-nos, habituámo-nos ao sotaque. E no início não era assim tão fácil entender tudo o que os actores brasileiros diziam...
No fundo, é tudo uma questão de orgulho e de respeito por nós próprios e pela nossa língua... ou de falta de um e de outro. Mas porque é que isso haveria de acontecer? Em 2002, um estudo da UNESCO afirmava que o português era (é) a sexta língua mais falada no Mundo, atrás do mandarim, hindi, castelhano, inglês e bengali... de um total de mais de 6700. Não nos saímos assim tão mal, pois não?

Hoje, 21 de Fevereiro de 2006, celebra-se o Dia Internacional da Língua Materna.

Artigo escrito para o Nº 01 (projecto/protótipo) da revista MAR em 2004.

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