domingo, maio 05, 2013

Observação: Língua-mãe… ou madrasta?

Hoje celebra-se não só o Dia da Mãe mas também o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura, instituído pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Pelo que se justificam breves referências a algumas individualidades e instituições que têm transformado – ou tentado transformar – a Língua-Mãe numa língua… madrasta, através, principalmente, da imposição dessa aberração ilegal, inútil e ridícula conhecida como «acordo ortográfico de 1990»…
… E pode-se começar exactamente pela CPLP, e, mais concretamente, pelo seu país mais representativo, o Brasil, cujo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, a poucos dias da celebração…. da língua portuguesa, decidiu que as bolsas de estudo atribuídas, no âmbito do programa «Ciência sem Fronteiras», a cerca de sete mil estudantes brasileiros que haviam escolhido o nosso país como destino deveriam ser reafectadas para outras universidades que não as portuguesas. Porquê? Porque eles «têm que enfrentar o desafio da segunda língua. Por isso todos foram convidados a migrar para outros países». Que «magnífico» exemplo este de um Estado que desrespeita as opções dos seus cidadãos… Enfim, é mais uma falácia de uma «cooperação cultural lusófona» em que abundam as palavras – cada vez mais deturpadas – mas em que escasseiam os actos concretos, eficazes, relevantes, úteis.
Neste âmbito, mas não só, é difícil haver personificação mais patética do que o actual (p)residente da república portuguesa Aníbal Cavaco Silva. Primeiro e principal responsável pelo AO90 (iniciou-o enquanto primeiro-ministro e «ratificou-o» enquanto chefe de Estado), está reduzido a assinar discursos e artigos ridículos, como o que foi publicado no jornal Sol na edição de 3 de Maio último. Escrito, como não podia deixar de ser, em «acordês», e a propósito, precisamente, do «dia da língua portuguesa», exalta a lusofonia como «um conceito moderno, plural e evolutivo, moldado pela atualidade das sociedades vibrantes que a compõem e fundado na língua portuguesa» sendo esta «um dos principais ativos estratégicos dos países que a compõem, com a sua afirmação internacional a constituir um objetivo prioritário.» O facto de as «vibrações» dessas sociedades no que respeita ao AO sempre terem sido maioritariamente negativas é apenas um pormenor de reduzida ou nula importância…
Além dos políticos, outros «profissionais» existem que exibem considerável culpa e/ou cumplicidade na imposição acrítica do totalitarismo linguístico-cultural. Desses destacam-se os jornalistas, e aqui e agora há que referir dois casos de «excelentíssimos diretores» que são outros tantos maus exemplos. Primeiro, Ví(c)tor Serpa; enquanto ficcionista, não utiliza o «aborto pornortográfico», como aliás se pode confirmar no seu último livro, o romance «O Segredo dos Pássaros», onde consta a informação, na ficha técnica, de que «por vontade expressa do autor, a presente edição não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990»; porém, o jornal A Bola, de que ele é (supostamente) o responsável máximo, submeteu-se ao dito cujo, o que teve como consequência que aquele que já foi como que uma «bíblia», não só do desporto mas também da cultura e da cidadania nacionais, seja hoje apenas um reles pasquim. Na mesma situação está o Jornal de Letras, Artes e Ideias, embora o seu «diretor» constitua um exemplo muito, muito pior; José Carlos de Vasconcelos integra(rá) em lugar de relevo uma «galeria da infâmia» dos que colaboraram mais activamente com os fascistas da ortografia; e a sua mais recente demonstração desse colaboracionismo está no editorial da edição (Nº 1110) do JL de 17 de Abril último, em que o Sr. Vasconcelos tem o atrevimento de, criticando a oposição à edição da obra completa do Padre António Vieira em obediência ao AO90, se referir à «cruzada de alguns opositores» marcada pela «cegueira» e pelo «extremo radicalismo»; o Sr. Vasconcelos deveria estar a olhar-se ao espelho (de uma janela?), porque os verdadeiros «radicais», os autênticos «terroristas culturais», são aqueles que alteram toda uma ortografia à medida dos seus caprichos e devaneios utópicos, sem qualquer correspondência com as necessidades concretas das nações e das pessoas que utilizam aquela.    
Outro exemplo mais recente, e mais anedótico, de «hipocrisia linguística» é o da edição do livro «Out of the Office», de que um dos autores é o jornalista da TVI José Gabriel Quaresma e que contou com o prefácio e a apresentação de José Alberto Carvalho, director de informação da mesma estação. Para eles, que se submeteram igualmente ao AO90, aparentemente não há contradição na utilização de palavras estrangeiras (com um duplo «f» numa delas!) no título, e que a promoção inclua a possibilidade de conexão com… smartphones – uma palavra com o «arcaico» ph!
Sim, é verdade que nem toda a comunicação social se rendeu ao «acordo». No entanto, também é verdade que uma parte significativa dela se rendeu, com destaque, precisamente, para as três estações de televisão portuguesas. A pior delas, claro, é a RTP, porque, ao contrário de SIC e da TVI, é financiada com dinheiro dos contribuintes, a maioria dos quais se opõe ao AO90; e porque mais do que o utilizar, faz propaganda ao dito cujo, em especial (mas não só) nessa dose diarreica diária que é o «Bom Português» no «Bom Dia Portugal»; ironicamente, com o patrocínio da Porto Editora, cujo administrador e director editorial, Vasco Teixeira, em audiência recente no parlamento no âmbito do grupo de trabalho sobre o «acordo ortográfico», admitiu que aquele não tem, não traz, qualquer vantagem. Está visto que para muitos «jornalistas», neste tema como em outros, o fundamental é obedecer a uma «agenda», a uma narrativa, e/ou obedecer... ao(s) «chefe(s)»; para eles isso é mais importante do que dar voz aos opositores do «aborto», o que até poderia proporcionar o aumento de audiências e de tiragens; é mais importante do que a deontologia profissional básica - ouvir, e respeitar, as diferentes partes de um conflito, de um confronto.
Todavia, mais do que dos jornalistas, é dos professores que se deveria esperar a primeira atitude mais corajosa e mais firme contra a sabotagem cultural e comunicacional que é o AO90. Contudo, e apesar de várias e louváveis excepções individuais, as organizações – associações, sindicatos – que agregam e representam os docentes continuam a caracterizar-se pela mais lamentável e indecente capitulação. Não consta que nos «atentados quotidianos à educação» denunciados por Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, e que têm justificado várias greves e manifestações nos últimos anos, esteja incluído o «aborto pornortográfico». A conclusão inevitável – e talvez (algo) injusta – é que, desde que as colocações, as remunerações e as carreiras estejam asseguradas, qualquer porcaria pode ser ensinada aos nossos filhos e às nossas filhas. Já agora, porque não voltar a pendurar fotografias de Caetano, Salazar e Thomaz nas paredes das escolas?      
Finalmente, como ilustração máxima do absurdo a que este assunto chegou, veja-se a «justificação» dada por um dos (ir)responsáveis do WordPress Portugal para a submissão ao «aborto», em que «dois consensos alargados, a oposição quase unânime e uma enorme resistência em aplicá-lo» se transformam num «entendimento geral de que se deveria avançar para a adoção do AO90» (leiam-se igualmente os comentários, entre os quais o meu). Não restam dúvidas: o «acordo ortográfico» é a «mãe (ou o pai?) de todas as parvoíces» na língua portuguesa, neste dia e em todos os outros. (Também no Esquinas (170) e no MILhafre (70).)  

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