terça-feira, maio 31, 2005

Opinião: É só fumaça!

Segundo a Organização Mundial de Saúde, um terço da população mundial com mais de 15 anos - cerca de um bilião de pessoas - fuma. Três milhões de pessoas morrem por ano vitimadas por doenças causadas pelo tabaco. Dentro de 30 anos o número pode subir aos 10 milhões.
O problema é muito grave. E está por resolver. Haverá alguém hoje que duvide de que o fumador é um indivíduo perigoso? Um risco ambulante? Uma ameaça permanente à saúde pública e privada? Senão, vejamos:
- O fumador é um egoísta. Entrega-se ao seu vício sem se preocupar com o bem-estar dos não fumadores. Estes ficam com o cabelo e a roupa a cheirarem mal, o sistema respiratório afectado, o almoço estragado.
- O fumador é um cobarde. Está constantemente a dizer que vai deixar de fumar. Porém, só pensa nisso a sério quando o médico lhe diz que tem seis meses de vida.
- O fumador é um irresponsável. É um incendiário em potência, porque espalha cinzas e beatas mal apagadas por todo o lado. Não seria de admirar que o incêndio no Chiado tivesse sido provocado por um cigarro...
- O fumador é um criminoso. Os seus crimes vão desde a bronquite asmática às doenças cardiovasculares, passando pelos numerosos e variados tumores: na boca, na língua, na laringe, nos pulmões, no estômago. Como todos os criminosos, o fumador deveria ser perseguido e punido: não só provoca a sua morte (lenta) como a dos outros.
Há países onde isso já se faz. Nos Estados Unidos da América existe actualmente um novo tipo de segregação, não entre diferentes raças, mas sim entre fumadores e não fumadores. Os muitos «cancermen» e «cancerwomen» são expulsos de praticamente todos os espaços públicos, fechados e abertos. Além disso, todas as grandes companhias tabaqueiras já foram alvo de processos judiciais por parte de fumadores, dos seus familiares e até mesmo dos governos estaduais, que terminaram recentemente em acordos e indemnizações no valor de muitos milhões de dólares.
A fúria com que os americanos tratam os fumadores e as empresas de tabaco pode parecer surpreendente e excessiva. Mas tem uma explicação lógica. Durante décadas, o cigarro foi um elemento fundamental, quase omnipresente, da iconografia cultural americana. Eram poucas as grandes figuras do cinema, da televisão, da literatura, da imprensa, que não apareciam com um cigarro - ou um charuto ou um cachimbo - ao canto da boca. O cigarro era um companheiro, a marca do herói, o símbolo do verdadeiro americano. A publicidade sugeria aos filhos que oferecessem maços de cigarros aos pais nos aniversários, no Dia do Pai e no Natal. Hoje, que as consequências do tabaco são por demais conhecidas e comprovadas, muitos sentem-se enganados. Ofendidos. E querem vingança.
Em Portugal, alguns conhecidos «líderes de opinião», que são também fumadores, queixam-se de perseguição, de atentado às liberdades, até de um novo «fascismo anti-tabagista» que se aproxima... Tretas! Eles parecem esquecer-se que a liberdade de cada um tem limites, ou que acaba quando começa a prejudicar a liberdade - e, neste caso, a saúde - dos outros. Larguem o cigarro, e aí poderão esperar ser tratados como indivíduos, homens e mulheres, normais, como membros de pleno direito da raça humana. Porque não o serão enquanto deitarem fumo pela boca!

Com um pedido de desculpa aos meus amigos fumadores... mas é para o bem deles!

Hoje, 31 de Maio de 2005, celebra-se o Dia Mundial do Não Fumador.

Artigo publicado no jornal Vida Ribatejana, Nº 3934, 1997/10/1.

quarta-feira, maio 25, 2005

Orientação: Artigo na revista Tempo

A edição Nº 79 da revista Tempo, publicada hoje, 25 de Maio de 2005, e disponível até 1 de Junho, inclui, na sua página 32, o meu artigo «Por uma nova literatura». Comprem e leiam!

domingo, maio 01, 2005

Obras: "O elmo"

Há uma sala imensa imersa na escuridão
em cujo centro incide uma intensa luz.
Nele está exposto o elmo de uma armadura
que outrora pertenceu a um homem da Cruz.

É um capacete arredondado, amarelo, dourado,
e foi usado pelo mais audaz dos cavaleiros da estrada.
Muitas corridas ele disputou, muitas batalhas ele ganhou,
conduzindo o seu bólide, lançado na sua montada.

Era aos domingos que ele demonstrava a sua fé,
e ao chegar à meta fazia de cada circuito uma igreja.
Subia ao altar, erguia o troféu, bebia do cálice e orava,
celebrando uma missa depois da motorizada peleja.

Até os não crentes, como eu, se converteram,
levados pela sua coragem, que operava milagres.

No Estoril, suportando um dilúvio com afinco,
em mil novecentos e oitenta e cinco.

Em Suzuka, «e no entanto ele se move!»,
em mil novecentos e oitenta e nove.

Em Interlagos, sofrendo como mais nenhum,
em mil novecentos e noventa e um.

E no dia em que, com 34 anos, entraste para a eternidade,
ninguém quis chorar porque ninguém acreditou de imediato.
Visto do alto, o teu corpo, o teu carro, crucificado, imolado,
como um mártir prestes a ser canonizado e santificado.

Há quem diga que aquele que experimentar o teu elmo
poderá ver imagens indescritíveis nunca antes sonhadas.
Meu ídolo, meu irmão no idioma, que saudades eu tenho
de exultar com a tua arte e a tua velocidade inultrapassadas.


Ayrton Senna morreu a 1 de Maio de 1994... um domingo.
Poema (Nº 282) escrito em 2000.