Do meu novo livro, recentemente publicado, eis excertos de três dos artigos que o
compõem.
O
primeiro tem a ver com as possíveis causas e explicações da decadência deste
país. «Em Portugal, o saudosismo mórbido
e a mania de imitar e seguir o que é estrangeiro, subestimando e desvalorizando
o que é nacional, já vêm de muito longe. Estão intimamente relacionado com a
nossa tendência suicida, de que já falava Miguel de Unamuno. E se essa
tendência encontrou expressão, no virar do século, com as mortes de escritores
como Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Mário de Sá Carneiro e Florbela
Espanca, hoje ela verifica-se, por exemplo, nos números elevadíssimos de mortes
em acidentes de viação, de trabalho e domésticos. Se há coisa que distingue
negativamente o povo português é a sua negligência, o seu descuido, a sua
irresponsabilidade para com a integridade própria e a dos outros. Isso vê-se
também na nossa já proverbial, e secular, falta de higiene, pública pelo menos,
comprovada por esse hábito perene de cuspir para o chão, de deitar lixo na rua
inclusive quando existem perto caixotes do mesmo, na proliferação desordenada
de lixeiras sem condições de segurança, muitas vezes com resíduos perigosos. E
constata-se ainda na falta de manutenção e restauro de edifícios, sejam eles de
habitação ou monumentos históricos. Este desleixo generalizado vem,
fundamentalmente, da descrença do nosso futuro colectivo enquanto nação. As
causas desta doença são antigas. (…) Tantos desaires graves e consecutivos não
podiam deixar de causar marcas profundas num povo que, não muito tempo antes,
tinha sido “Mestre de Metade do Mundo”. Os problemas principais de Portugal não
são pois de carácter político, económico ou mesmo cultural. Têm um cariz
essencialmente psicológico, e também, provavelmente, religioso. De alguma forma
se instalou na consciência colectiva nacional a certeza de que, se tantos
fracassos tinham acontecido, é porque era essa a “vontade de Deus”, que
determinou que Portugal e os portugueses não mereciam ser, e ter, mais e
melhor. Era o destino. Era o fado. Pouco a pouco, ao longo dos séculos, esta
convicção pessimista foi-se entranhando, enraizando, nas nossas mentalidades,
nas nossas práticas e representações, na nossa maneira de ser quotidiana,
reproduzindo-se e expandindo-se contínua e imperceptivelmente. É por isso que o
conformismo, a resignação e a passividade são “imagens de marca” tão
características dos portugueses. É por isso que a mediocridade se tornou uma
instituição, que marginaliza ou mesmo condena, simbólica ou realmente, aqueles
que se distinguem, os competentes, os ambiciosos, os que querem fazer algo de
novo, de diferente ou de melhor. Como se ir mais além significasse,
inevitavelmente, trazer a desgraça. (…)» («A vontade e o destino», 1998, pág.
112.)
O segundo tem a ver com a renovação das gerações e a
correspondente sobrevivência da nação. «(…) A maior riqueza de um país está nos
seus habitantes. A maior riqueza de Portugal está nos portugueses. Em todos os portugueses.
E se pretende-se construir um Novo Portugal, isso não será possível sem novos
portugueses. Estejam eles onde estiverem. (…) Criar uma nova mentalidade,
formar novos portugueses, construir um Novo Portugal, são tarefas de uma missão
que cabe a todos. Nada será possível sem a participação de todos os
portugueses, independentemente do seu sexo, da sua raça, religião, ideologia,
classe ou idade. E independentemente da sua profissão: de facto, interessa
menos o que se faz e onde se faz do que o como se faz. (…)Temos pois de decidir
se queremos ou não que eles sejam, ou continuem a ser, portugueses. Temos de
perguntar a todos esses jovens se querem ser, dentro ou fora de Portugal, os
novos portugueses. Se querem ser, afinal, pessoas, e não meros "recursos
humanos" ou "mão-de-obra". Não é necessário que todos estejam ou venham para
Portugal. É preciso, pelo menos, que se consiga levar Portugal até eles,
qualquer que seja a parte do Mundo em que se encontrem. E isso é algo que, bem
ou mal, já estamos habituados a fazer. Desde há muito tempo.» («Novos
portugueses para um novo Portugal», 1995, pág. 84.)
O terceiro tem a ver com desporto e, mais
concretamente, com Jogos Olímpicos, inevitável num momento em que decorrem os
de Londres 2012 e que com eles se repetem as previsíveis e habituais derrotas, frustrações,
incompetências e insuficiências portuguesas. «(…) É difícil não falar em “fatalismo”:
a tendência recorrente da presença portuguesa em Jogos Olímpicos é a de que não
só os mais credenciados quase sempre perdem como também, invariavelmente, os
menos credenciados não compensam aqueles, excedendo as expectativas e
superando-se a si próprios e aos outros. E essa presença no evento máximo do
desporto mundial – não só em Pequim mas também antes – é bem a “tradução” do
que tem sido a “tradição” de mediocridade de todo o país em geral: o não
aproveitamento de oportunidades, o desperdício de capacidades e de recursos por
escassez de ambição, direcção, organização, enfim, de profissionalismo. Excesso
só mesmo de desculpas de “mau perdedor” (e de “mau pagador”…), de lamúrias… e
de patetices quando, aleluia, lá se ganha uma ou outra medalhinha! (…) É
preciso instituir, finalmente, um verdadeiro sistema desportivo no país! E não
tem que se estar sempre à espera do(s) Governo(s). O Comité Olímpico de
Portugal, em colaboração com as diversas federações desportivas e respectivos
clubes, e ainda com empresas que aceitem ser mecenas do projecto, deve, antes
de mais, estabelecer um eficaz, eficiente e exaustivo programa de prospecção,
selecção e formação de atletas: primeiro, deve definir um conjunto de
critérios, de indicadores, físicos e psicológicos, e visitar todas as escolas
do país e fazer um “rastreio” aos seus alunos, registando as suas
características motoras e mentais e encaminhando-os para os desportos mais
adequados a essas características; segundo, deve procurar, identificar e
recuperar talentos que já estão fora do sistema de ensino, promovendo como que
uma iniciativa de “novas oportunidades para o desporto”, incentivando todos os
portugueses a “denunciarem” familiares, amigos, colegas e vizinhos que eles
suspeitem que (ainda) têm, ou possam ter, jeito para atirar, correr, lançar,
levantar, lutar, pedalar, remar, saltar… (…)» («Os anéis e as quinas», 2008,
pág. 194.) (Também no Esquinas (129) e no MILhafre (63).)
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