No meu texto aqui publicado no passado dia 14 de Junho, e em que referi e comentei o artigo então saído no Público sobre a atribuição do Prémio José Mariano Gago, promovido pela Sociedade
Portuguesa de Autores, a uma obra da qual um dos seus co-autores era também
membro do júri daquele, fiz notar que naquele momento não havia indícios de que «este caso de “compadrio cultural”, de
atropelo à ética, de “promiscuidade professoral”» iria «ter consequências, mais
concretamente, e obviamente, (algumas) demissões».
Na verdade,
e não surpreendentemente, essas demissões (até agora) não aconteceram. José Jorge
Letria, a quem apelei que cancelasse a entrega do Prémio José Mariano Gago,
continua como presidente da Direcção da SPA; Rui Vieira Nery, que, na prática,
atribuiu a si próprio aquele prémio, continua como presidente da mesa da
Assembleia Geral da SPA, e não consta que entretanto tenha sofrido quaisquer
sanções por parte de outras instituições a que está ligado, como a Universidade Nova
de Lisboa e a Fundação Calouste Gulbenkian; o mesmo acontece com Carlos
Fiolhais e José Eduardo Franco, supostos «vencedores» do prémio enquanto
coordenadores principais da colecção «Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa», o
primeiro relativamente à Universidade de Coimbra, à Fundação Francisco Manuel
dos Santos e à Gradiva, e o segundo relativamente à Universidade de Lisboa e à Universidade
Aberta.
Talvez
mais significativo, e tanto quanto pude apurar, nenhum dos protagonistas deste
lamentável caso se pronunciou publicamente sobre o mesmo e/ou o artigo no
Público a ele referente, com excepção de Rui Vieira Nery e apenas em declarações
prestadas ao jornalista Rodrigo Nogueira. Da parte do responsável máximo da SPA, nenhuma reacção,
nenhum comentário ao Prémio José Mariano Gago após a sua «atribuição». O silêncio
sobre este assunto tem sido também constante por parte de Carlos Fiolhais e de
José Eduardo Franco, como se pode constatar nas páginas de Facebook de um e de
outro. Porém, o mutismo, quanto a este assunto, do professor, investigador e
divulgador de Física torna-se ainda mais intenso e mais incómodo quando se
considera a sua constante intervenção mediática, em especial no Público, do qual é cronista regular (!), e no De Rerum Natura, do qual é co-fundador e um
dos mais prolíficos colaboradores. Naquele blog, precisamente, tentei pela
segunda vez entrar em contacto com ele sobre o «caso SPA»: no primeiro post que Fiolhais publicou após a saída do artigo de Nogueira, inseri, no espaço para
comentários, às 11.55 horas de 15 de Junho último, e, evidentemente,
devidamente identificado, a seguinte pergunta: «Por
quanto tempo mais vai manter o seu silêncio sobre a forma irregular (para não
usar uma expressão mais forte) com que, juntamente com José Eduardo Franco, “venceu”
o Prémio José Mariano Gago?» Previsivelmente, este meu comentário não foi
aprovado; no entanto, e curiosamente, CF não tem aparentemente qualquer
problema em autorizar comentários anónimos, até mesmo os que são algo ofensivos
para ele próprio, como por exemplo este, em contradição flagrante com os requisitos
explicitados no blog.
A primeira vez que tentei entrar em
contacto com Carlos Fiolhais sobre o «caso SPA» foi, claro, através da mensagem
de correio electrónico que lhe enviei a 23 de Maio último, ou seja, no dia
seguinte ao da entrega do prémio, e mencionada no artigo do Público. Divulgo agora, pela primeira vez, excertos da mesma: «(…) Infelizmente, esta minha mensagem não
tem como objectivo felicitar-vos. Pelo contrário, serve para (vos) sugerir que,
assim que for possível, anunciem a recusa do prémio e devolvam os componentes
do mesmo, isto é, o troféu e o valor pecuniário de 2500 euros. Porquê? Porque o
prémio vos foi atribuído indevidamente, e até irregularmente: um dos membros do
júri - Rui Vieira Nery - é também um dos autores-colaboradores da colecção,
sendo o coordenador do volume 20, designado “Primeiros Tratados de Música”.
Obviamente, é - ou deve(ria) ser - um critério, e exigência, fundamental de
qualquer prémio ou concurso que nunca um membro do júri seja igualmente
participante do mesmo, directa ou indirectamente. (…) Porquê esperar pelo
desenrolar - e, eventualmente, avolumar - de um processo que muito
provavelmente se tornará embaraçoso? Confio que o senhor e o Prof. José Eduardo
Franco, que creio serem homens de honra, tomarão a atitude correcta, e rapidamente.»
Afinal, a atitude correcta não foi tomada, nem rápida nem demoradamente;
afinal, não são homens de honra. E o que falta em honra sobra em hipocrisia: talvez
para atenuar a cumplicidade, e até a culpabilidade, na elaboração de um
«monumento» - em 30 volumes! – a essa ofensiva (porque, efectivamente, ofende)
neo-fascista, neo-colonialista, ridícula, inútil, ilegal e prejudicial contra a
cultura que é o «acordo ortográfico de 1990», Carlos Fiolhais lá vai divulgando
de vez em quando, no De Rerum Natura, indivíduos e iniciativas contra aquele.
Que não se pense, contudo, que este
«caso SPA», esta autêntica fraude intelectual perpetrada contra a ciência, contra
outros eventuais e reais concorrentes (para além de mim e do meu livro «Nautas»), e, mais grave ainda, contra
o nome e a memória de José Mariano Gago, é um «incidente» isolado. Não será
mais do que um «elo da cadeia», do que uma demonstração, entre muitas, de um «padrão».
Com efeito, pouco depois da publicação do artigo no Público, fiquei a saber que,
em Janeiro último, Rui Vieira Nery recebeu o Prémio Universidade de Coimbra 2018, atribuído por um júri do qual fazia parte… Carlos Fiolhais. Que interessante!
Que mais poderá haver por aí à espera de ser (re)descoberto? (Também no MILhafre.)
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