No meu artigo
«Mestre, Profeta Santo», escrito e publicado em 2004 (no décimo aniversário da
sua morte), e incluído no meu livro «Um Novo Portugal – Ideias de, e para, um
País», eu recordei Agostinho da Silva, e de como os dez anos, entre 1984 e
1994, em que com ele convivi, coincidiram, curiosa e exactamente, com o mesmo
período de tempo entre o falecimento do meu pai (em 1984) e o nascimento da
minha primeira filha (em 1994). Porém, e pensando bem, existiu uma outra pessoa, cujas iniciais são também AS, cujo último apelido foi igualmente (da) Silva, que conheci e que admirei – à distância, e não pessoalmente –
precisamente na mesma década: Ayrton Senna. Hoje assinala-se o vigésimo aniversário da sua morte, aquando do Grande Prémio de San Marino, no Circuito
de Imola.
A primeira
vez que ouvi verdadeiramente falar dele, em que o seu nome e o seu talento se
destacaram decisivamente, e não só para mim, foi durante o Grande Prémio do Mónaco de 1984, a 3 de Junho – cinco meses antes de o meu pai morrer. Disputada
à chuva, a prova mostrou pela primeira vez a grande aptidão de Ayrton Senna
para correr naquelas difíceis condições – confirmada no ano seguinte pela sua
primeira victória em Fórmula 1, no Grande Prémio de Portugal, no Estoril,
novamente em piso molhado. A sua estreia no lugar mais alto do pódio podia,
eventualmente, ter acontecido junto às ruas e à baía de Monte Carlo se a
corrida não tivesse sido interrompida a meio após vários pedidos nesse sentido
feitos por um Alain Prost que via o seu avanço sobre o brasileiro diminuir
constantemente a cada volta. No entanto, tal acabou por não ser muito grave
porque dos 41 triunfos de Ayrton seis foram no principado, cinco dos quais
consecutivos.
A minha
paixão pelo Benfica foi quase integralmente substituída pela minha devoção a
Ayrton Senna. No «dia santo» o futebol era relegado para segundo plano sempre
que havia automobilismo. Gritava e pulava de alegria quando ele ganhava,
contorcia-me e rosnava de raiva quando ele não ganhava. Senti o seu prematuro,
chocante, desaparecimento – em corpo, não em espírito – como uma tragédia quase
pessoal. E procurei transmitir tudo aquilo que ele significa(va) para mim no
meu poema «O elmo»: «(…) Era aos domingos
que ele demonstrava a sua fé, e ao chegar à meta fazia de cada circuito uma
igreja. Subia ao altar, erguia o troféu, bebia do cálice e orava, celebrando
uma missa depois da motorizada peleja. (…) E no dia em que, com 34 anos,
entraste para a eternidade, ninguém quis chorar porque ninguém acreditou de
imediato. Visto do alto, o teu corpo, o teu carro, crucificado, imolado, como
um mártir prestes a ser canonizado e santificado. Há quem diga que aquele que
experimentar o teu elmo poderá ver imagens indescritíveis nunca antes sonhadas.
Meu ídolo, meu irmão no idioma, que saudades eu tenho de exultar com a tua arte
e a tua velocidade inultrapassadas.» (Também no MILhafre (87).)
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