Hoje assinala-se mais um –
infeliz – aniversário do regicídio de 1908, um vergonhoso atentado, um hediondo
crime, em que efectivamente viria a assentar a república em Portugal,
«oficialmente» instaurada em 1910 por via de um golpe militar – e que por isso,
e também por nunca ter sido directa e explicitamente ratificada em eleições,
continua a constituir um regime ilegítimo. No que já se tornou uma – honrosa –
tradição, a funesta data foi igualmente evocada pela Real Associação de Lisboa através da realização de uma missa de sufrágio na Igreja de São Vicente de Fora, seguida de uma romagem ao Panteão Real.
Entretanto, e embora não
tanto como em anteriores anos e ocasiões, as referências e mesmo as discussões
a propósito, não só do assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luiz em
particular mas da dicotomia, da questão Monarquia-República em geral, vão
surgindo, sendo feitas, no espaço mediático nacional. Dois textos recentes, um
num jornal (digital) e outro num blog, constituem disso demonstrações.
O primeiro, «Extremistas a ensinarem crianças», foi escrito por Maria João Marques e publicado no
Observador – e reproduzido, em parte, no blog O Insurgente, onde a autora também
colabora. Nele ela relata e comenta o que havia acontecido com um dos seus
filhos, na escola, na disciplina de História. Um excerto: «(No) meio do
programa algo fez o rapaz ficar baralhado com as misérias do Portugal
monárquico e as maravilhas do Portugal republicano. Por razões misteriosas,
ficou convencido que monarquia era sinónimo de ditadura e pobreza. E que a
república, em Portugal, havia trazido o melhor dos mundos. Lá tive eu – que sou
republicana, mesmo que não diabolize a monarquia (ok, assumo, é impossível
resistir a gozar com certos membros de certas famílias reais) – que repor,
naquela impressionável e adorável cabeça, a verdade. Que a pobreza dos tempos
monárquicos se devia mais às características secularmente estruturais de
Portugal (e que muitas delas persistem hoje, iguais ou ligeiramente
travestidas) que ao singelo facto de termos monarcas. Que a Primeira República
foi uma rebaldaria indecorosa, com atropelos graves aos direitos e liberdades
dos portugueses e de um anticlericalismo radical e dispensável. Que chegou à
infâmia de proibir explicitamente o voto feminino, anteriormente possível em
circunstâncias estreitas. Que nada faz equivaler ditaduras a monarquias. Que o
ditatorial Estado Novo (de resto convidado pela rebaldaria) era um regime
republicano. Que vários países europeus ricos e democráticos são monarquias e
que a coisa socialista proto-totalitária venezuelana é uma república, bem como
todos os totalitarismos comunistas (sendo que estes costumam descambar em
monarquias das más, de facto).» Uma atitude – de mãe e de pedagoga – louvável e
correcta, e uma explanação que corresponde à verdade dos factos, apesar de
serem prejudicadas, ironicamente, pela utilização do abjecto AO90, o mais recente
dejecto de uma «(di)gestão ortográfica» prepotente, regularmente enfraquecedora
da língua e da cultura, e que foi iniciada (em 1911), precisamente, pelos
republicanos, e desde logo criticada, condenada, entre outros, por Fernando Pessoa.
O segundo texto, «Saraiva, Sena e Salazar», foi escrito por António Cirurgião e publicado no blog Malomil. Nele
o autor recorda e relata encontros que teve, há mais de 30 anos, com António
José Saraiva, e a opinião do famoso historiador (irmão de José Hermano Saraiva,
pai de José António Saraiva) sobre o (então) presente e o passado recente do país.
Um excerto: «Depois de ele proferir os maiores horrores sobre a situação
política, social, económica e cultural de Portugal, eu perguntei-lhe que
remédios aventava ele para solucionar essa deplorável situação. E a resposta
dele não se fez esperar. “Essa deplorável situação” resolvia-se com a
restauração da monarquia, com um reizinho, uma figura paternal, à imitação de
Salazar. Só dessa maneira se poderiam governar os portugueses, o povo mais
individualista e ingovernável do planeta.» Porque a outra interveniente nessa
(e testemunha dessa) conversa, Maria de Lourdes Belchior, também já faleceu, o
depoimento do Dr. Cirurgião não pode ser confirmado. Mas, a ser verdade, não
deixa de ser deveras interessante o que um suposto marxista, comunista, concluíra
quanto à que poderia ser a melhor solução para o país… embora, obviamente, o
ditador vindo de Santa Comba Dão não constituísse – aliás, não constitui e
nunca constituirá – uma figura modelar para uma monarquia que se pretende
democrática…
… E que foi imaginada, por mais do que um autor, na antologia colectiva
de contos de história alternativa «A República Nunca Existiu!», que eu concebi,
organizei, em que participei, e que consegui publicar em 2008, no centenário do
Regicídio. E, porém, ela existe… infelizmente. (Também no MILhafre.)
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