No passado dia 7 de Fevereiro Henrique Pereira dos
Santos publicou no blog Corta-Fitas o seu texto «Sampaio, Santana e as instituições», em que afirma que «(Somos) tão poucos a ter a opinião de que
Sampaio, quando dissolveu o parlamento em Novembro de 2004, o fez de uma forma
institucionalmente inadmissível. (...) O governo
de Sócrates foi muito pior e perigoso para o país que o de Santana Lopes,
culminando num pedido de assistência externa. (...) Sampaio resolveu, de acordo
com o poder discricionário que a constituição lhe dá, dissolver a Assembleia da
República, mas é completamente terceiro-mundista fazê-lo sem que o justifique,
tornando uma prerrogativa numa prepotência. (...) O problema é que esta
fragilidade institucional nos deixa quase indefesos, como sociedade, face à
possibilidade de cometermos os mesmos erros.»
Porque eu considero este facto político o mais
significativo e consequente (no mau sentido) em Portugal dos últimos 20 anos,
senti-me na «obrigação» de deixar o meu comentário: «Não sei se são assim “tão
poucos” os que pensam, e afirmam, que Jorge Sampaio dissolveu o parlamento em
2004 de uma forma “institucionalmente inadmissível”. De qualquer forma, eu sou
um deles, e em 2007, no meu artigo “Sem pejo”, publicado n'O Diabo (e depois
incluído no meu livro “Um Novo Portugal”, editado em 2012), escrevi o
seguinte: “A decisão de maior impacto que Jorge Sampaio tomou, não só em
2004 mas em todos os dez anos enquanto presidente, foi sem dúvida a demissão
(indirecta) do Governo de Pedro Santana Lopes através da dissolução da
Assembleia da República, processo que decorreu entre Novembro e Dezembro
daquele ano. Já em Outubro Sampaio teria afirmado, numa entrevista, ‘que
preferia que outro partido tivesse ganho as eleições (legislativas de 2002),
mas o PR não pode expressar estados de alma...’ Afinal, expressou-os e
concretizou-os. Justificou a sua decisão com uma alegada série de ‘incidentes,
contradições e descoordenações’ - que não explicitou - e com uma alegada ‘concordância
geral’ por parte da opinião pública – que não demonstrou. Tanto aos governos de
António Guterres, antes, como ao de José Sócrates, depois, podem ser apontados
autênticos, muitos e mais graves ‘incidentes, contradições e descoordenações’...
mas em relação a esses Sampaio não teve a mesma atitude. Porque eram do seu
partido? Quando, em Julho de 2005, Luís Campos e Cunha se demitiu (ou foi
demitido?) de ministro das Finanças por discordar dos projectos da Ota e do
TGV, o então PR não deve ter considerado tal facto um motivo para dissolver a
AR... mas fê-lo depois de Henrique Vale se demitir por não concordar com os
pelouros que Santana lhe atribuíra. Enfim, é uma questão de saber o que é mais
importante...” Mais recentemente, e sobre o mesmo assunto, acabei por manter um
breve “diálogo” com Luís Menezes Leitão no Delito de Opinião.»
Nesse «diálogo», ocorrido a propósito de um texto de LML publicado em 23 de Fevereiro de 2019 (sim,
há exactamente três anos), eu afirmei: «Já o disse e escrevi anteriormente,
incluindo aqui no DdO, e espanta-me que tenha de voltar ao assunto: afirmar que
o governo presidido por Pedro Santana Lopes foi o “pior”, ou “o mais desastroso”,
ou qualquer outra idiotice desse tipo, só demonstra que quem o faz tem sérios
problemas de (falta de) inteligência, de memória e/ou de saúde. José Sócrates decerto agradece tais disparates. (…) José Sócrates
agradeceu, sim (e, se não o fez, devia tê-lo feito), a Jorge Sampaio a
oportunidade que teve. E, comparado com o do “engenheiro ao domingo”, o governo
de Pedro Santana Lopes foi mesmo magnífico. (...) A
alusão às “pessoas que continuam a apostar em (Pedro) Santana Lopes” não é para
mim de certeza, pois não “aposto” nele nem em praticamente qualquer figura do
actual regime - regime que, volto a dizer, já há muito passou do “prazo de
validade” e deve ser substituído. Porém, isso não implica que aceite, nem que
seja pelo silêncio, as mentiras, as falácias, as distorções, enfim, a reescrita
falseada da História, que atingem PSL ou qualquer outra pessoa. Obviamente, o
governo daquele tinha de facto “um mínimo de consistência” - interna e ainda um
apoio maioritário no parlamento - e não andou a “perder tempo com incubadoras”
- tal foi apenas um “fait-divers”, um “sound-bite”, que, claro, os opositores e
a comunicação social “amiga” daqueles trataram de exagerar até à histeria,
criando o ambiente propício para que em eleições legislativas (indevidamente)
antecipadas o PS obtivesse um (imerecido) triunfo. Desastrosa
foi, sim, a presidência de Jorge Sampaio, cujas consequências continuamos a
sofrer.» E ao domínio «rosa» será suficiente existir somente uma alternativa
«laranja»? Há muitas pessoas que pensam isso, entre as quais José Miguel Roque
Martins, que, também no Corta-Fitas, mas a 23 de Julho de 2021,
escreveu, no seu texto «A responsabilidade total do PS», que «é difícil
vislumbrar um futuro para Portugal sem um pacto de regime entre os dois maiores
partidos, o PS e o PSD.» Em resposta comentei e perguntei: «A sério? É esse o
único futuro que se vislumbra para Portugal? Uma continuada partilha entre os
partidos do “centrão”, pródiga em incompetência e em corrupção? Que mais não
tem feito do que “gerir” a desmoralização, o declínio, a degradação deste país,
a diferentes níveis, político, social, económico, cultural? E porque não
um futuro diferente? Que implique, por exemplo, uma radical renovação, quiçá
uma revolução, que acabe com este regime, a III República? Que, aliás, acabe com a República, pura e simplesmente? Que permita trazer e aplicar novos
valores, novas ideias, novos talentos?»
Os resultados das
eleições legislativas do passado dia 30 de Janeiro vieram demonstrar, nova e
infelizmente, que essa (muito) necessária transformação fundamental não é
possível em Portugal, pelo menos por meios pacíficos. O mais recente escrutínio
nacional apenas constituiu (mais um)a confirmação do conformismo em que se
encontra uma parte considerável, quiçá maioritária, da população deste país,
que proporcionou ao Partido Socialista a segunda maioria absoluta da sua
história. O mesmo é dizer, proporcionou aos mesmos protagonistas (menos um ou
outro) da primeira, que levou a nação à falência, uma segunda oportunidade para,
sem obstáculos institucionais, arrastarem-nos, talvez desta vez definitiva e
irreversivelmente, para a ruína total. Serão esses cidadãos irremediavelmente estúpidos?
Simples masoquistas? Terão memórias (muito) curtas? Seja como for, é cada vez
mais legítimo questionar se todos os povos merecem a democracia, e se a plena
igualdade de direitos e de deveres para todos os indivíduos se justifica. Porque
é que uns, lúcidos e motivados, têm de ser sucessivamente prejudicados por
outros, iludidos e manipulados? E porque é que para muitos dos que não se
resignam com a cobardia, a estagnação e a mediocridade que os rodeia a melhor, ou
a única, solução continua a ser a emigração?
Os que erram constantemente
não merecem respeito. Cada vez mais se impõe desafiar a noção, ou o dogma, de
que «a vontade popular é soberana» se essa suposta «vontade» não passa de uma obediência
rotineira a ordens ilógicas, injustas e/ou
ilegítimas. A sujeição é algo de sujo.
O grande problema do PSL foi a falta de legitimidade reconhecida pela maioria para o cargo que ocupou. A maioria dos cidadãos não estavam preparados para a saída dum primeiro-ministro recém eleito. Talvez por essa experiência tenham depois aceite a "geringonça". O primeiro grande erro de Sampaio foi ter aceite a proposta de Durão Barroso sabendo que o iria atraiçoar. Se não foi uma grande jogada política, pelo menos pareceu.
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