No passado
dia 21 de Abril, à tarde, estava, como quase sempre, em frente do computador,
lendo e escrevendo. E, também como normalmente, tinha acabado de fazer mais uma
«ronda» pelos principais sítios noticiosos que consulto preferencialmente.
Porém, a notícia que não queria saber, que estava longe de imaginar que pudesse
acontecer, foi-me dada por telefone. A minha esposa telefonou-me. Perguntou:
«Já sabes o que aconteceu com o Prince?» Sobressaltei-me: «Não. O que foi?» A
resposta gelou-me: «O pior que poderia ser». Acedi de imediato à Fox News, onde
estivera não mais do que quinze minutos antes, e vi, li… em grande destaque, no
topo da página. No Público também. Entretanto, a Prince.org, comunidade virtual
de admiradores, havia «crashado». Gritei «não!» e bati várias vezes com a mão
direita no tampo da secretária. Uma das minhas filhas espantou-se e
preocupou-se; entristeceu-se depois… desde muito nova que eu – tal como às
irmãs – lho tinha dado a ouvir. Porquê, porquê, porquê?..
À noite,
telefona-me a minha mãe: «Filho, já sei que ele morreu. Imagino como deves
estar triste. Lembro-me de como gostavas dele, de como estavas sempre a
ouvi-lo, mas ignoro se, nos últimos anos, continuava a ter a mesma importância
para ti…» Sim, sempre continuou a ser muito importante. À minha frente, erguido
num suporte próprio em madeira, está o (grande) livro (de fotografias) «21 Nights» (que inclui o disco ao vivo «Indigo Nights»), editado na sequência dos
concertos que deu em Londres em 2007. Desde Outubro de 2015, isto é, desde que
coloquei a capa de «Around The Word In A Day», então a celebrar 30 anos de
edição, como ilustração da Simetria Sonora do ano passado, que vinha ouvindo
novamente todos os discos dele que possuo, que são quase todos. E, mais
comovente… e mais inquietante, nesse próprio dia 21 de Abril adquirira uma das
mais recentes obras dele que ainda não fazia parte da minha discografia, «Art
Official Age»; o recibo da FNAC indica 14 horas e 31 minutos; se não me engano,
mais ou menos nesse preciso momento, do outro lado do Atlântico, estariam a
encontrá-lo, inconsciente, num elevador da sua casa, estúdio, museu, mausoléu…
Em Paisley
Park, Chanhassen, no Estado do Minnesota, não terá nevado naquele dia…
O que mais me
custou, o que mais me surpreendeu? O facto de ele ter morrido sozinho – aliás,
e aparentemente, de ele viver, estar, sozinho em períodos prolongados. Algo
ainda mais inadmissível por, poucos dias antes, ter apanhado um susto que o fez
aterrar no Illinois para receber assistência hospitalar de emergência. Não era suposto
haver alguém com ele, a acompanhá-lo, a vigiá-lo? É certo que não tinha família
mais chegada – esposa, filhos – mas não faltariam, supostamente, outras
pessoas, tais como assistentes, colaboradores, amigos (músicos e não só) que
durante toda a sua carreira o rodearam, que poderiam – e deveriam – fazer isso;
aliás, ele sempre esteve longe de ser um eremita; era um génio, mas não um
recluso.
Numa palavra,
Prince morreu por negligência – dele próprio e de outros. Tal também deve ter acontecido
devido a arrogância, a uma excessiva confiança, a um sentimento de
invulnerabilidade, talvez a uma sensação de imortalidade. Há quem fale em «ignorância e medo». Sim, ele, tanto
quanto se sabe, nunca terá caído nos excessos em que Michael Jackson caiu; no
entanto, se é certo que ele nunca terá tentado alterar a sua aparência
estritamente física, embora o tenha feito continuamente no penteado e nas
roupas, terá tentado (é essa a minha avaliação) manter-se jovem, ou, melhor
dizendo, manter o mesmo estilo de vida, feita de digressões e de espectáculos
prolongados e exigentes, cansativos, extenuantes, noitadas e «directas» de
gravações, quando não de festas. Enfim, ele talvez ter-se-á convencido de que,
passados os 50 anos, e já a caminho dos 60, conseguiria manter o ritmo que
tinha aos 20 anos e aos 30. Suspeitava-se de que ele abusava de analgésicos… e
a autópsia, cujas conclusões foram anunciadas na semana passada, revelaram que
ele morreu devido à auto-administração de uma dose excessiva de Fentanyl, «o mais potente narcótico conhecido, um opióide artificial 50 vezes mais forte do que a heroína e 100 vezes mais do que a morfina», e usado para tratar «dor
severa e crónica».
Ele não mudou
a sua maneira de estar e de agir, não descansou, não abrandou a velocidade a
que vivia… e por isso parou definitivamente, prematuramente. Uma enorme
desilusão, a maior que ele causou, a mim e a muitos outros. E em quase 40 anos
de carreira não foram assim tantas nem graves as decepções: artísticas, praticamente
nenhumas; pessoais… dir-se-ia a promiscuidade, mas nunca alguma mulher se
queixou ou o acusou de ter um comportamento menos próprio; religiosas… a sua
conversão às Testemunhas de Jeová espantou, e terá eventualmente dificultado a
obtenção atempada e correcta de auxílio médico; políticas… ao contrário de
vários (demasiados) colegas de profissão, nunca se notabilizou negativamente
por afrontar e ofender partes significativas do público com afirmações,
atitudes e acções controversas e divisivas – uma excepção terá sido, em 2015, o
seu envolvimento (acredito que bem intencionado) com figuras tão sinistras como
os «Black Lives Matter», Al Sharpton e outros racistas criminosos e «progressistas»
aquando dos motins em Baltimore, tendo inclusivamente escrito e gravado uma
canção sobre o assunto (depois soube-se também que doara dinheiro à família de
Trayvon Martin). Poucos «pecados»… facilmente perdoados. Nada de
(muito) grave para todos quantos, como eu, lhe devem tanto.
Agora, a
grande questão, a grande incógnita, é o que vai acontecer ao seu legado, ao seu
património, tanto cultural como financeiro. Tudo indica que ele nunca redigiu nem deixou um testamento… o que expressa, uma (última) vez mais, uma reprovável
negligência. A quem caberá, pois, a sua enorme fortuna? Aos seus irmãos e sobrinhos?
Aos seus amigos? Às ex-mulheres e amantes? Será concretizada a campanha de
reedição dos seus discos – remasterizados, remisturados, «completos» com
faixas-extra – pela Warner Brothers Records, anunciada em 2014 e que era
suposto ter produzido, para começar, a edição especial do 30º aniversário de
«Purple Rain»? Serão divulgadas, e, se sim, como, as canções inéditas guardadas no seu «cofre» (que, apesar de muito provavelmente serem bastantes, não
acredito no entanto que sejam cerca de duas mil, como alguém calculou)? Em 1993
escrevi - em artigo publicado na revista TV Mais – que Paisley Park poderia
tornar-se numa nova Graceland; mantenho esta previsão, e há quem concorde comigo.
Prince Rogers
Nelson nasceu a 7 de Junho de 1958, pelo que completaria hoje, se fosse vivo, 58 anos de idade. Uma data que muitos admiradores, do seu Minnesota natal mas
não só, gostariam que fosse transformada num feriado no seu Estado, e já há uma petição nesse sentido. Todavia, o actual governador, (o democrata) Mark Dayton,
(ainda) não fez isso… mas decidiu designar 23 de Maio como «Dia de Beyoncé»,
artista que não tem qualquer ligação à «terra dos dez mil lagos». Porquê?
Talvez porque, ao contrário da esposa de Jay-Z, «sua alteza púrpura» nunca
votou em Barack Obama nem apelou a que se votasse no actual presidente, não
obstante ter tocado e cantado para ele na Casa Branca. E, eventualmente, também
porque no fundo, por detrás da sua aparência exuberante, ele era socialmente conservador, o que incluía ser opositor do «casamento» entre pessoas do mesmo
sexo. Controverso… contudo, no que respeita ao mais importante, do lado certo.
Celebremos a sua vida e a sua obra... como se fosse, ainda e sempre, 1999. (Também no Obamatório.)
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