quarta-feira, maio 24, 2006

Ocorrência: Livros salvados

Hoje, 24 de Maio de 2006, abriu ao público, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, a Exposição da Campanha Salve um Livro II (que se prolonga até 28 de Julho), que reúne e mostra obras antigas que foram objecto de trabalhos de conservação e de restauro. Eu estive presente... na qualidade de (um dos) mecenas desta campanha.
Foi há mais de dois anos, a 14 de Maio de 2004, que me desloquei à BN para entregar um cheque no valor de 285 euros «para pagar a intervenção de conservação e restauro da obra Nº 7 ao abrigo da campanha “Salve um Livro”.» Essa intervenção incluiu: a «realização de (nova) encadernação em pele» – porque a anterior, «embora esteja em bom estado de conservação, descaracteriza a obra» por ter sido feita «com materiais de má qualidade e cujo estilo não é contemporâneo da obra em questão»; o «tratamento integral do corpo do livro» - porque este apresenta(va) «sujidade superficial depositada, foxing, intervenções anteriores de restauro e orifícios provocados pela acção dos insectos»; o «acondicionamento em caixa de cartão isento de acidez»; e a execução de um microfilme.
E qual é a «obra Nº 7» da lista de quase uma centena desta (segunda) campanha «Salve um Livro» (a primeira foi em 1994)? É «O Uruguai», de José Basílio da Gama, cuja primeira edição – a do exemplar que foi restaurado – é de 1769. A importância deste livro e do seu autor pode melhor ser aferida através da leitura das citações que se seguem, apenas duas das que recolhi e transcrevi durante as pesquisas que efectuei para escrever o meu livro «Espíritos das Luzes». António José Saraiva e Óscar Lopes afirmam que «o primeiro poema heróico em que se encarecem as populações nativas do Brasil e em que a sua paisagem perpassa, embora muito palidamente, é o “Uruguai” de Basílio da Gama, nascido em Minas Gerais, educado pelos jesuítas, homem culto e viajado, que, apesar das suspeitas resultantes do seu noviciado na Companhia de Jesus, soube conciliar o favor do Marquês de Pombal e nobilitar-se. O poema tem como assunto principal a campanha do governador Gomes Freire de Andrade contra certas tribos ameríndias que o Tratado de Madrid de 1750 incluiu dentro do território colonial português, mas nas quais os missionários jesuítas haviam fortificado as aspirações autonomistas. Basílio da Gama preenche cinco pequenos cantos de verso decassilábico branco sem recorrer aos artifícios da mitologia clássica, utilizando o árido desenrolar histórico da campanha militar como enquadramento de um romance ameríndio, em que se salienta o pundonor dos chefes guerreiros, a tragédia de amor da jovem Lindóia, a caricatura de um factótum dos jesuítas e, finalmente, uma visão dantesca das maquinações em prol do império universal que atribui à Companhia de Jesus. É significativo o contraste entre o convencionalismo com que Basílio da Gama retrata os militares portugueses e a desenvoltura do romance ameríndio, e deve notar-se a justeza, conquanto esmaecida, da cor local. O “Uruguai” não fica mal ao lado do “Camões” de Garrett, o primeiro poema geralmente tido como romântico na nossa literatura, e que visivelmente influenciou; contribuiu, mais do que qualquer outra obra setecentista, para uma autonomia temática da literatura brasileira. (SARAIVA, António José, LOPES, Óscar, «O Século das Luzes», em História da Literatura Portuguesa, Porto, Porto Editora, 1979 (11ª edição), pp. 680-681).
Vinte anos mais tarde, Jorge Henrique Bastos, depois de referir – e repetir – as características da obra e as circunstâncias em que ela surgiu, realçará o facto de o poema - «considerado um dos principais marcos fundadores da nacionalidade literária brasileira» - ter sido publicado «no ano em que Pombal recebera o título de Marquês, e teve um tão intenso impacto sobre ele que mesmo (as pinturas d)o tecto do palácio de Pombal, em Oeiras, parece ter sido inspirado em passagens do poema.» (BASTOS, Jorge Henrique, «O Marquês e o Rei», em Expresso, Lisboa, 1999/8/14, pp. 69-73 (Revista)).

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